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Monumentos que caem: “O Brutalista”

Foto do escritor: Gabriel LucasGabriel Lucas
Foto: Divulgação/ Univesal Pictures Brasil
Foto: Divulgação/ Univesal Pictures Brasil

“Art is seduction, not rape”

— Susan Sontag


Existem formas diversas de se fazer um filme. Assim como as outras artes, o cinema parece nos lembrar que o mundo, como o vemos, nada mais é do que uma reprodução singular de imagens, formas, signos e outros aspectos da experiência humana. Entretanto, por trás de toda – ou pelo menos quase toda – genialidade autoral e tentativa artesanal de construção de um espetáculo fílmico residem as expectativas cada vez mais uniformes dos estúdios e produtoras de cinema ao redor do mundo, especialmente as do cinema hollywoodiano. Curiosamente, inúmeros festivais de cinema têm desvelado, sob a tessitura do gesto fílmico, a verdadeira natureza de intentos narrativos que se propõem ser, a priori, grandes realizações. É a partir desse movimento que decido investigar as matizes que transformam O Brutalista, pretensiosamente intitulado como monumental pelo seu próprio estúdio (A24), em um projeto inconcluso de sua própria grandiosidade – a qual, diferentemente de outros filmes, é anunciada no modo artesanal com que se manipula a imagem, mas logo perdida numa operação binária de ressignificação narrativa.


Se nos debruçamos, a princípio, sobre o que há de mais técnico no longa, percebemos que este, diante de tantas esperanças, não poderia ter sido feito de uma outra forma. Aqui, acompanhamos László Toth (Adrien Brody), um arquiteto húngaro que foge para os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Por influência de um rico industrialista, Lászlo se vê envolvido no projeto de um centro cultural numa cidade da Pensilvânia. Desde o princípio, descobrimos a tentativa de estabelecer um vínculo com a história do arquiteto brutalista Marcel Breuer. Não se trata, entretanto, de uma cinebiografia pois, apesar das claras associações com determinados aspectos de sua vida, Brady Corbet, diretor do longa, admite a tentativa de ressignificar a jornada de uma série de outros artistas do movimento brutalista que também se refugiaram nos Estados Unidos após a Segunda Guerra. Mais do que suas histórias, Corbet acaba por se apropriar de sua predisposição artística e tenta edificar, sobre os motes do brutalismo, um cinema de estilos. A consciência formal e técnica de como a arquitetura e a geometrização visual podem ser incorporadas à própria constituição do plano demonstra a necessidade de, ao incorporar sujeitos-personagens a um mundo, tentar esboçar um espaço-paisagem que seja o reflexo da visão desses mesmos sujeitos. Essa estilização do plano não impede, no entanto, que o gesto de se reafirmar se torne exaustivo, sobretudo na segunda metade do longa.

Foto: Divulgação/ Universal Pictures Brasil
Foto: Divulgação/ Universal Pictures Brasil

Com efeito, o deslumbramento também parece ser uma das diversas outras impressões que se buscam no encontro entre produção e direção desse projeto. As expectativas da A24, assim como a excitação ludibriante ao filmá-lo com o sistema VistaVision de captação cinematográfica provoca a aceitação dessas imagens como pretensamente sedutoras. A primeira vez em que observamos Lászlo e seu primo abrirem as portas da biblioteca pessoal de seu primeiro importante cliente em sua nova vida nos provoca um fascínio que, perigosamente, pode ser confundido com prazer visual e estético. Não sejamos ingênuos em acreditar que um bom filme não possa nem deva fazer uso do artifício da sedução e estimular, por meio de pulsações visuais, um mínimo de contentamento a respeito do que se vê na imagem. Em O Brutalista, contudo, imagens sedutoras e performances igual e nitidamente atraentes não são o suficiente para delimitar uma forma completa e performar, a partir do núcleo embrionário e ininteligível que é um filme, o seu conteúdo. Tal qual afirma Susan Sontag, “Uma obra de arte propõe um tipo de experiência que visa manifestar a característica do imperativo. Mas a arte não pode seduzir sem a cumplicidade do sujeito que tem a experiência.” Ora, a percepção dessas imagens e a maneira como elas satisfazem, ou não, as escolhas narrativas do longa, dependem, também, da existência de um espectador.


No fim, o longa se perde no gesto narrativo. Sua elaboração se esgota, também, na medida em que se assemelha a uma fórmula mágica. Se, em sua primeira metade, somos atravessados por Lászlo e sua inebriante melancolia, contraposta a uma posterior esperança, durante sua tentativa de reestabelecer sua vida em um novo lar, ao mesmo tempo em que não se permite esquecer o seu passado – especialmente sua esposa, Erzébet Tóth (Felicity Jones) –, a segunda se transforma em uma esteira de eventos pretensiosamente dramáticos. Através de planos demorados, cenas longas, movimentos sinuosos de câmera e diálogos supostamente carregados de uma determinada teatralidade, incorpora-se a tentativa da interpretação, ou até mesmo da tradução, de um épico. Tecido sob uma trilha sonora robusta e visceral, com elementos, notas e motifs graves e grandiloquentes, reverberantes e brutais, o espectador apresenta dificuldades em não reconhecer a tentativa de elaborar uma obra que se pretende ostensivamente aclamada. Não há como saber, no fim das contas, se esse mesmo espectador, formado ou não pelos verdadeiros monumentos da história do cinema, se entregará às estratégias de sedução de um projeto inconcluso e que, apesar do desejo incessante – e certamente consciente – jamais se tornará o que pretende ser.

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