Desde que tive conhecimento de que Halder Gomes estava fazendo um filme de drama, fiquei bastante intrigado sobre o que seria apresentado. No Brasil, arrisco-me a dizer que nenhum cineasta faz comédia como ele: autoral, original, com domínio perfeito da sua forma e estilo de fazer cinema. Gomes encontrou uma fórmula para suas histórias, fazendo suas obras cativarem o país, à medida que construía seu nome como um cineasta reconhecido.
Entretanto, para alguém cuja carreira é majoritariamente baseada em um cinema de gênero, comédia e ação, até flertes com terror, mudar radicalmente de chave e realizar um drama sóbrio, abordando temas profundos, é no mínimo intrigante. Um movimento louvável e corajoso de sair de uma zona de conforto bem definida e se desafiar. Quando conversei com Halder recentemente ele me disse que o que mais lhe interessava dentro das possibilidades da realização, além é claro da comédia e da ação que estão em seu DNA, seria falar de outra paixão arrebatadora, o universo das artes plásticas. Justo, os filmes vêm de paixão, vêm de desejos, vem de sonhos. Porém, mudar é sempre difícil.
Narrativamente e tematicamente, o filme à primeira vista propõe discussões interessantes. Já no início temos muita curiosidade pelos arquétipos daqueles personagens e principalmente pelas temáticas apresentadas. Um pintor decadente, uma negociante de arte, uma atriz em crise, são todos personagens que geram expectativa no público, um certo impacto inicial. Mas ao desenrolar da trama nos decepcionamos ao vermos que se trata apenas de caricaturas. Eles são apenas isso. Não há um desenvolvimento profundo, seja dos dramas externos ou pessoais, muito menos na relação entre os personagens. Temas abordados aqui como o mercado da arte, a autoria e a falsificação, o questionar-se artisticamente, são todos complexos e já debatidos há séculos pela humanidade, com muito a se explorar. Porém, no filme não passamos de uma primeira camada de desenvolvimento superficial, com cenas verborrágicas e trama novelesca, no sentido ruim da expressão.
Junto a isso, durante toda a obra temos uma imagem pasteurizada, remetendo um certo “belo por ser belo”. Ora, se falamos sobre arte, isso poderia ser algo positivo ao relacionarmos a forma de filmar com o comentário proposto pelo filme, porém aqui tudo recai novamente para à superfície. Uma estética higienizada, bonita em um olhar comum, mas que não comunica com o filme. Posso citar a cena da festa que despeja em tela um amontoado de referências às obras consagradas apenas por estarem lá desnecessariamente, além dos flashbacks que possuem um virtuosismo técnico exagerado, que pouco comunica com a história. Existe aí um certo fetichismo com a imagem e com certos elementos da trama, visando uma grandiosidade que não é transmitida, de forma que a articulação da forma e do conteúdo acaba prejudicada.
Falta recorte a esse filme, definir suas prioridades. A impressão que fica é que esses desejos intensos e as pretensões do cineasta eram grandes demais, de que se queria falar sobre muitas coisas e acabou se falando pouco. Este é um filme em que se tem dificuldade de eleger o protagonista ou qual o tema principal, atrapalhando toda a conjuntura narrativa do filme. Não há uma unidade muito bem estabelecida, esteticamente e em dramaturgia. Tudo fica apenas nas boas intenções e, infelizmente, filmes não são feitos apenas disso.
Acho que muitas coisas na vida são feitas de tentativa e erro. No cinema não seria diferente. Acho louvável que Halder Gomes tenha usado toda essa paixão que tem pela pintura como força motriz para realizar esse filme. Espero que ele não desista desse caminho, mas que se aperfeiçoe, ache um caminho original de falar sobre esse universo que ama tanto, para colocar em prática nas próximas obras.
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