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Uma ideia, uma forma, uma tentativa: “Herege”

Foto do escritor: MontezMontez
Foto: Divulgação/ Diamond Films

Quando se fala na A24, uma das produtoras mais bem-sucedidas dos últimos anos, alguns adjetivos propagandeados nos vêm à mente: “inovadora”, “ousada”, “diferente [dos grandes estúdios]” podem ser enumerados como os mais repetidos. Contudo, como sempre, o uso de adjetivos implica numa subsequente argumentação: ora, se ela é inovadora, ousada e diferente, é por qual o motivo? Seu método de produção difere? De fato, a aposta em novos diretores e em olhares menos conformados com o que se encontra nos longas de alto orçamento é algo observável. É claro que tais cineastas encontraram respaldo antes mesmo da empresa surgir, mas sua esquematização dentro de um processo a fez destacar-se.


Formou-se um selo muito bem definido e, consequentemente, com uma boa recepção de grande parte do seu material, sua consolidação se tornou instantânea. Com seus lançamentos do gênero horror, por exemplo, ficou muito perceptível uma unidade estética, que parece replicar-se não apenas dentro da empresa como em suas parceiras audiovisuais. Longos planos com lentas aproximações dos personagens, simetrias, uma iluminação mais difusa – quando não cinzenta – e uma violência que flerta com o que diz-se esteticamente bem aceito. Se a embalagem é bem sedutora à primeira vista, o seu conteúdo também parece trazer os mesmos adjetivos que abrem o texto. Mas o verbo parecer é exatamente o que significa neste caso, ou seja, de dar a impressão de algo.


Herege (no original, Heretic), novo lançamento da A24, dirigido por Scott Beck e Bryan Woods, é mais um projeto que parece preencher todas as colunas dentro dessa perspectiva supramencionada. O longa-metragem tem início com Paxton (Chloe East) e Barnes (Sophie Thatcher), duas jovens missionárias que tentam atrair novos fiéis, mas enfrentam o desinteresse da comunidade em que vivem. Durante uma visita, encontram o Sr. Reed (Hugh Grant), um homem aparentemente receptivo, que logo as engana. As jovens são capturadas e presas em sua casa isolada, onde enfrentam um jogo de crenças. Partindo de uma premissa religiosa – e do questionamento da doutrina – o filme trava um diálogo entre as garotas e o personagem de Grant, fazendo com que a primeira meia hora gire em torno de perguntas e respostas prontas.

Foto: Divulgação/ Diamond Films

E, novamente, a escolha da expressão “respostas prontas” tem um outro sentido. Ainda que as iterações apresentadas ao longo do filme sejam, a princípio, interessantes, nenhuma delas soa realmente genuína dentro do próprio conteúdo da narrativa. Em outras palavras, a conversa, em determinados momentos, se transforma em um simulacro de inteligência, como se a forma e a entrega das ideias fossem mais importantes do que o que elas realmente têm a oferecer. O conteúdo, por sua vez, se torna superficial, quase como se o objetivo fosse impressionar pela embalagem ao invés de aprofundar o discurso. Em dado ponto, todas as teorias apresentadas pelo personagem de Grant mais parecem extraídas de um livro de Dan Brown do que resultantes de uma construção orgânica, fazendo com que a escrita se reduza a um exercício de imitação de complexidade, sem efetivo avanço narrativo.


Se a primeira parte de Herege se caracteriza por intensos embates dialógicos, o segundo ato transita para a perspectiva do terror, levando as personagens a se verem presas em uma casa de paredes metálicas e um labirinto que remete, por sua vez, ao intrigante Noites Brutais (2022, dir. Zach Cregger). No entanto, o jogo se torna uma espécie de “boneca russa” de descobertas, alternando entre momentos que soam ingênuos e outros que parecem deslocados em relação ao contexto. Os realizadores parecem incapazes de articular com fluidez o que foi estabelecido no início com os acontecimentos que decorrem, criando uma sensação de descompasso entre os primeiros e os últimos atos.


O terror se desenrola dentro dos limites formulaicos, acreditando que o desfecho é mais impactante do que realmente é. Curiosamente, para um filme que lida com questões de crença e fé, Herege revela uma falta de confiança na própria linguagem cinematográfica para construir sua conclusão. De maneira similar ao que ocorre em outro filme do gênero lançado neste ano, Longlegs (2024, dir. Osgood Perkins), há um momento em que as intenções do personagem de Grant – que faz uma atuação competente, mas ainda presa aos limites de um registro que já se tornou familiar –, são explicadas de maneira excessivamente didática.


O uso de flashbacks, ao invés de agregar profundidade, apenas sublinha intenções que subestimam o espectador. Assim, ao final, Herege acaba por se revelar como mais um filme que, ao se apoiar em uma construção superficial e formulaica, acredita estar fazendo parte de um movimento inovador e ousado. Na verdade, o que vemos é apenas uma ideia que se encaixa convenientemente na forma e nas convenções do gênero, mas falha em se desprender da previsibilidade, resultando em um produto que, por mais que aspire a algo maior, acaba por entregar apenas mais do mesmo. Tal afirmação também vale para sua produtora/distribuidora.


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