São Luiz, o ‘’Faz-Tudo’’ e o novo palco da música
- Wandryu Figuerêdo

- 7 de nov.
- 2 min de leitura

A sessão no São Luiz e o debate subsequente com colegas trouxeram à luz uma percepção estremecedora: a ressonância da estética da MTV e da VEVO no cinema de Fabio Leal. Percebi, naqueles cortes suaves, na condução semântica da imagem e na sincronia com a musicalidade, um eco nostálgico que me remetia à infância, e ao fascínio pelo "profano" que me era negado. Lembro-me do canal 7 em Pernambuco, a antiga MTV, sendo proscrito em casa; dos ataques de fúria de minha tia contra videoclipes e, pior, contra o programa "Beija Sapo", que eram só beijos.
Contudo, com o passar dos anos, essa plataforma de videoclipes definhou, a MTV esmaeceu, a VEVO perdeu o brilho, e veículos de crítica musical como a monkeybuzz anunciaram o fechamento. Essa extinção, observada à luz do cinema, sugere uma tese: e se o cinema contemporâneo for esse novo palco musical?
Com apenas cinco minutos de duração, Faz-Tudo, dirigido por Fabio Leal, é apresentado em formato semelhante a um vídeo do YouTube. O curta explora a relação entre duas pessoas: um agente misterioso que faz uma oferta de sexo diário e o próprio 'faz-tudo'. Este, por sua vez, estabelece uma condição única para o serviço: ser filmado em harmonia com sua música favorita.
A musicalidade que movimenta o material fílmico é a canção "Take A Toke" do C+C Music Factory. Lançada em 1994, a música foi trilha da novela brasileira Quatro por Quatro, escrita por Carlos Lombardi e dirigida por Ricardo Waddington, e sua metáfora sugere uma atração intensa, tal como o verso ‘’I got the best love you ever smoked’’. Contudo, enquanto nos anos noventa havia uma heteronormatividade na estética da mise-en-scène, hoje, em 2025, no São Luiz, isso é subvertido, seja com luzes coloridas ou o corpo nu presente. O “faz-tudo” toma um banho antes de iniciar sua performance, como se estivesse lavando todos os seus estigmas, entregando-se de boa vontade ao agente da mensagem. Este agente, por sua vez, filma seu corpo em um ato que funciona como uma preliminar sexual, convidativa, paciente e esperançosa de um maior prazer.
Mesmo com a presença daquele corpo em cena, fiquei pensando na sessão, em todos que estavam observando, sorrindo e dançando. Diferente de aplicativos como Spotify, onde a experiência musical é fragmentada por outros 500 aplicativos abertos, naquele momento, todos estavam em movimento pela música, uma música tocada em outros momentos diversas vezes tinha um calor especial. Por mais que alguns estivessem tirando os celulares do bolso para fotos dos frames, naquele instante, o coletivo era de C+C Music Factory - Take A Toke. O verso ‘’Take a toke slow or you might choke’’ ingressou rápido.
Triste que escrevo este texto em um momento tão conturbado para os curtas-metragens e o cenário da música. Ontem, nosso Ministério da Cultura entregou nosso investimento para as grandes companhias, mais uma vez matando o cinema independente, o circuito majoritariamente formado por curtas, videoclipes e longas de baixo orçamento. O que posso esperar é falar com algum 'faz-tudo' e pedir para ele consultar Lula ou o STF para vetar o projeto. Depois da sessão, não quero mais vinil, CD, DVDs ou aplicativos: eu quero ouvir música também no cinema.
Bad seeds.




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