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Sátira Social e Estética Capitalista em "Eles Vivem"

Atualizado: 11 de jun. de 2024


Conhecido como o filme "mais de esquerda" já produzido em Hollywood (sei que isso pode parecer ambíguo após ler esse título, mas logo logo você vai entender), Eles Vivem é uma baita sátira social, e assim como Paul Verhoeven tinha feito um ano antes, em RoboCop, John Carpenter vai comentar sobre sociedade e política a partir de uma ficção científica que parte de um cinema de entretenimento muito frontal.


Em tempos de liberalismo econômico nos EUA, com o governo de Ronald Reagan, John Carpenter faz Eles Vivem, quase como um desabafo à política americana controlada pela alta sociedade (elite econômica), o ultra-capitalismo e o consumo acelerado de propaganda ("American Way of Life"). O estado vende meritocracia - "Eu entrego um dia de trabalho duro pelo meu dinheiro, só quero uma chance. Isso virá. Eu acredito na América. Eu sigo as regras", frase dita por John Nada (!) no começo do filme, a America como esse grande símbolo de conquistas e independência, mas a partir de um sistema que insere as pessoas em infinitos fluxos de consumo, sendo explorados no trabalho e humilhados nas ruas, para no final do dia ganharem um prato de comida e um "encanto" efêmero em forma de consumo - "Todo o negócio é como uma espécie de jogo maluco. Eles colocaram você na linha de partida. E o nome do jogo é sobreviver", como diz Frank, um pouco antes de ser respondido por John na frase anterior, a qual eu citei, essas pessoas não são ninguém para o estado, são um coletivo, sem nenhuma individualização; a violência, desigualdade e exclusão social, estão para todos os lados em Eles Vivem, uma cidade em decadência por conta de um sistema que privilegia a burguesia e deixa a classe trabalhadora à margem da sociedade.

Muito além da padronização do consumo, Eles Vivem comenta sobre a padronização e alienação da sociedade, e da perda de identidade dos indivíduos; ambos os personagens principais, mas principalmente John, tem características estereotipadas de trabalhadores braçais, mas é perceptível que Frank (personagem negro) já não acredita mais no sonho americano, diferentemente de John (personagem branco) no começo do longa, mesmo que ambos ainda não tenham descoberto a verdade e acabem, de certo modo, se acomodando em suas repetitivas vidas. As propagandas vistas no óculos não só apresentam respostas de natureza consumista, como: "Obedeça", "Consuma", "Assista TV", mas elas também vêm com mensagens como: "Continue dormindo", "Não pense", "Se case e se reproduza", "Este é seu Deus", que ressaltam uma padronização em toda a vida e mentalidade desses indivíduos (Eles estão te monitorando, Eles não querem que você descubra a verdade), que pela propaganda, são jogados em um mundo de simples aceitações - "Eles Vivem, Nós Dormimos", frase que é vista pichada em um muro.


Interessante pensar, como, quase que independentemente do governo, os Estados Unidos costuma absorver um teor de propaganda midiática estatal bem forte para fomentar guerras e conflitos em outros territórios, com objetivos políticos que só favorecem a eles mesmos, como é o caso da atual guerra entre Israel e Palestina (Hamas), em que, através dessa manipulação política de padronização que o estado exerce sobre o pensamento dos indivíduos, consegue apoio popular para financiar esse tipo de conflito.


A crítica ao conservadorismo de extrema-direita também é bem clara, essa política que quer impedir que as minorias (massas) se sintam representadas e tenham liberdade para se expressar, a partir de uma mídia controladora. Já no final do filme, vemos uma entrevista onde um homem (alienígena) crítica a violência e sexo nas telas, isso, logo após uma grande sequência de ação e violência, e logo depois dessa cena da entrevista, o filme ainda corta para uma cena de sexo com nudez parcial de uma mulher, isso sem contar um dedo do meio que é apontando diretamente para câmera ao final da grande sequência de ação; mais uma maneira que John Carpenter encontra para provocar essa classe burguesa conservadora.

Los Angeles é uma grande propaganda, cheia de cores vibrantes, movimento e um excesso de informações (não muito diferente de uma metrópole real, que atualmente é ainda mais tomada por telas e hiperestímulos), é brega e artificial, assim como o personagem canastrão americano interpretado por Roddy Piper, todo esse teor artificial, com tons de sátira, evidência a artificialidade do sonho capitalista e é seguido por uma filmagem que compreende bem um teor "divertido" da ação e do mundo, o filme assume esse cinema de gênero e faz da revolução, o seu grande ápice de êxtase visual e temático.


Ao descobrir os óculos, Frank entra em uma grande paranoia quando passa a ver a verdade (não é fácil aceitar a verdade), e, como um agente voyeur, observa o mundo ao seu redor, descobre e passa a compreender a indústria americana de manipulação e consumo, eles estão nos controlando; aí, quando ele está usando os óculos, John Carpenter não simplesmente assume o "pov" do personagem, mas reinventa a encenação; a imagem, que antes era colorida, movimentada e enganava os personagens (e o espectador também), se transforma em preto e branco, e, juntamente com a câmera estática, absorve um aspecto bem mais cru; com uma estilização "clássica" bem mais concreta, o diretor captura os seus alienígenas como se participassem de clássicos americanos dos anos 50, como O Dia em que a Terra Parou e O Monstro do Ártico, que também usaram da ficção científica para representar alegorias políticas, além de terem um visual não menos vulgar (cara de filme B) que o do filme do Carpenter. Ao final, quando esses alienígenas têm a sua cor revelada, não à toa, têm os tons da bandeira dos Estados Unidos. Tá aqui o principal mérito do filme, em como passa ideias que poderiam ser muito didáticas em forma de imagens e de uma estética assumidamente capitalista (comercial), que satiriza o capitalismo; John Carpenter entende que a melhor maneira de criticar o capitalismo talvez seja através do próprio capitalismo.

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