"Não faça muito barulho. Eles podem te ouvir" é o que está escrito em uma placa em cima de uma das bancadas da cozinha em Spencer [2021, dir. Pablo Larraín]. Obviamente, esse comando é para quem ali trabalha, para a realeza britânica, mas escorre para como Diana (Kristen Stewart) enxerga sua situação diante da Coroa. Cada movimento dela é meticulosamente monitorado, não apenas pelos fotógrafos que a perseguem, mas também pelos membros da instituição. A mensagem na placa transcende o ambiente físico da cozinha e ecoa nas complexidades emocionais enfrentadas pela princesa. A referência ao som ressoa simbolicamente, sugerindo que até mesmo suas ações mais sutis não passam despercebidas. O enorme castelo reforça a sensação de confinamento e vigilância, algo muito semelhante ao que é vivido por Priscilla (Cailee Spaeny) no filme que carrega seu nome, dirigido por Sofia Coppola. Graceland, antes um sonho, também se reveste de uma atmosfera de reclusão. A partir disso, é interessante notar como tanto Larraín quanto Coppola compreendem a posição dessas mulheres em suas respectivas representações cinematográficas.



Partamos, por exemplo, do momento da chegada da personagem de Stewart ao castelo da Família Real em Spencer. Ao atravessar o majestoso portal, a câmera fecha em seu rosto com uma proximidade quase desconcertante. Parece que Larraín e Claire Mathon, diretora de fotografia, buscam adentrar o íntimo da mulher amplamente conhecida pelos tabloides, mas cuja vida pessoal é um turbilhão de inseguranças e medos. Dentro desse espaço, as lentes da câmera raramente a capturam de maneira distante e estática, exceto quando ela está na companhia de seus filhos ou da personagem de Sally Hawkins. A intenção imagética é clara: ao circundá-la com a cenografia imponente e focar a câmera em sua face, Diana se torna ainda mais vulnerável, diminuída diante dos olhares – reais ou não – que a cercam. As cortinas, antes movidas pelo vento, representam mais uma barreira nesse distanciamento completo vivenciado pela Princesa de Gales, sendo habilmente costuradas como grades adicionais. Olhar pela janela quase se torna um ato proibido, e chorar em qualquer recanto implica estar na posição de ser ouvida pelos trabalhadores locais.
Diana deixou de tornar-se uma mulher, com suas fragilidades e desejos, para se tornar o símbolo de um cargo que ela possivelmente ocuparia em um futuro não muito distante. "Tudo sempre está preparado", diz ela, em tom de lamentação, refletindo seu deslocamento em meio ao universo institucional da realeza. O paralelo com a Priscilla de Coppola se torna mais potente, pois ela também passa pelo mesmo processo que Diana. Da sua rotina de adolescente, ela é apresentada a Elvis Presley, o homem mais famoso e cobiçado à época. Do rosa felpudo onde seus pés pisaram no primeiro plano, aquela jovem nunca mais seria a mesma, após pôr os olhos em um homem cuja primeira aparição imagética é encoberta por uma luz mais escura e dura. Priscilla acredita, assim como Diana, estar realizando um sonho. Ela sai da casa de seus pais a caminho de Graceland, e lá depara-se com a ausência do homem que a fez estar ali em primeiro lugar. Ele, ao telefone, diz que em breve estará ao lado dela. Enquanto isso, a sala parece enorme para a jovem Priscilla.
Coppola constrói a relação entre o casal confiando nas sutilezas das atitudes dele para com ela. Um momento que parece romântico toma um outro tom, ao observarmos como ele a aborda; um pedido ou um presente soam como a abstração de uma omissão. Graceland transforma-se em um palco, e Priscilla é uma marionete que o Rei do Rock cuida para que ela se torne mulher perfeita para sua persona. Esse movimento é evidente na sequência em que ela muda o cabelo, a forma de maquiar-se e as roupas, a mando dele. Elvis, assim como o personagem de James Stewart em Um Corpo que Cai [1958, dir. Alfred Hitchcock], produz cuidadosamente a representação feminina que lhe agrada. Toda a encenação desse momento é encarada por Coppola como uma violência, um ponto de ruptura da Priscilla que saiu de casa e aquela sairá nos jornais. Quando, em Spencer, a Diana de Stewart comenta que "beleza é uma vestimenta", ela também poderia se referir à personagem de Cailee Spaeny. Seus cabelos cada vez mais altos e suas roupas azuis – que ela usa após Elvis dizer que é a cor que mais a favorece – pouco a pouco não conseguem esconder sua infelicidade.

A forma que a solidão e a tristeza são representadas por Coppola difere de Larraín quando a cineasta opta pelo uso da pouca profundidade de campo, ao invés da câmera na mão próxima ao rosto. Ao optar pela face de Cailee em foco e o fundo pouco nítido, Sofia Coppola cria uma sensação de desconexão entre a personagem e o ambiente ao seu redor, destacando seu isolamento emocional e falta de conexão. A montagem sublinha tal sentimento, ao dividir o filme em dois pontos de potência distintos: em um primeiro momento, segue como um encadeamento de acontecimentos, com certa rapidez, para, aos poucos, dar espaço a planos mais curtos e muitas vezes ligados por uma tela preta, como se a despedida da personagem estivesse sendo feita aos poucos. Já em Spencer, a montagem que desconecta Diana da realeza é feita de forma literal, com sequências onde Stewart corre em um campo vazio do castelo, a caminho de sua saída. É uma opção mais formalista e regular de Larraín, quando comparado com as escolhas de Coppola para construir essa libertação de suas respectivas protagonistas solitárias e aprisionadas.

Os filmes se encontram, novamente, em seus momentos finais. Após pedir para que seus filhos lhe acompanhem, Diana vai até seu carro e, na rádio, toca All I Need is a Miracle, de Mike and The Mechanics. Seu canto ecoa como uma catarse, um desprendimento; toda a juventude, que parecia existir apenas como um fantasma entre as paredes do castelo, ganha vida novamente. A última cena de Priscilla, por sua vez, ecoa uma melodia metafórica similar. A ex-esposa de Elvis parte de Graceland, guiando seu carro, enquanto a voz de Dolly Parton entoa I Will Always Love You. As tonalidades românticas da música não proclamam um fim ao amor, mas sim uma despedida dos portões daquele casarão. A saída representa o sabor de um sentimento que até então lhe fora estranho. Ao deixarem para trás seus castelos (ou masmorras?), Diana e Priscilla recusam-se a permanecer em silêncio. Ao contrário, elas assumem seus desejos como próprios. O rugir dos motores, o sussurro do vento através das janelas abertas, tornam-se as notas de uma nova canção, uma melodia pessoal, que transcende as amarras do passado.
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