top of page

Cine Ceará 2023 | Perambulações sem rumo em "Mais Pesado é o Céu"

Foto do escritor: Matheus CaminhaMatheus Caminha


Petrus Cariry é um dos grandes autores do cinema brasileiro contemporâneo. “Autor” no sentido mais literal possível da palavra: dirige, escreve, fotografa, monta, faz a pós-produção, parece estar presente de forma minuciosa em todas as fases do processo de realização de seus filmes, de uma maneira extremamente rigorosa, tendo em vista o resultado final. Controle parece ser uma boa palavra para definir os rumos de seu cinema atualmente. Também porque, ao passar dos anos, foi lapidando seu estilo cinematográfico, tornando-o único ao combinar um realismo social, a identidade nordestina, com elementos de um cinema fantástico, muito consciente dos temas que deseja tratar e de como filmar essas histórias.


Em seus filmes, sempre houve um fascínio pelo realismo fantástico, de certa forma uma proposta que tornou seu trabalho conhecido e lhe rendeu algumas de suas obras mais interessantes. É relevante observar a repetição de temas como morte, ausência, ruínas, a condição humana, sempre explorados através de diferentes perspectivas.


Em Mais Pesado é o Céu, esses temas e signos retornam, mas com uma abordagem distinta de seus trabalhos anteriores.



Em montagem paralela, o filme nos apresenta Antônio e Teresa, dois andarilhos, sem família, sem amigos, perdidos no mundo, que não se conhecem e vêm de lugares diferentes do país, mas que, por um motivo qualquer, tomam como rumo o açude Castanhão, onde está submersa a cidade de Jaguaribara, na qual ambos viveram no passado. Ali, Teresa encontra inesperadamente um bebê nas margens do açude e, após conhecer Antônio, ambos seguem juntos, agora com a missão de cuidar da criança.


É um filme que trata sobre essas perambulações do ser humano pelo mundo, e como a vida aqui na Terra, de certa forma, é um eterno purgatório. Apesar de em determinado momento do filme os personagens se assentarem em uma casa emprestada, mesmo que em condições ruins, acabam por seguir nesse interminável deslocamento, pedindo caronas e caminhando pelo acostamento das estradas, o que traz ao espectador uma sensação de infinita instabilidade, de que esse fluxo não terá fim e de que não chegarão a um ponto final. Sendo ainda submetidos às piores condições possíveis, Teresa acaba tendo que se prostituir, e Antônio é obrigado a mendigar, para que consigam sobreviver e cuidar da criança. São como duas almas penadas, à espera de um julgamento divino, que parece não chegar nunca.



Em meio a isso tudo, são oprimidos pelo colossal azul do céu. Os grandiosos planos gerais, perfeitamente fotografados pelo próprio cineasta, sempre procuram dar uma sensação de que aqueles personagens são marginalizados, pequenos perante o mundo, sendo oprimidos por aquela imensidão, como se estivessem submersos nas águas do próprio açude. As águas e o céu estão representados quase como lados opostos de uma mesma moeda.


Há também toda essa relação com o passado contida no filme, de os protagonistas retornarem a Jaguaribara, por motivos que são pouco explicados. Parece que precisavam estar ali. É como se Antônio e Teresa fossem fantasmas da violência sofrida por aquela cidade, engolida pelas águas do açude décadas atrás, e retornam a ela porque não têm mais lar, nem ninguém, nem propósito. Inusitado que encontrem uma criança, signo de esperança e de futuro, justamente ali. É normal do ser humano essa busca pelo passado, uma procura por um tempo menos complicado, no qual se era feliz. Teresa até questiona Antônio em certo momento: “Você não se cansa desse lugar?” — talvez, uma forma de perguntar “por que não seguimos em frente?”.


 

por Matheus Caminha, crítico convidado, na cobertura do 33º Cine Ceará: Festival Ibero-Americano de Cinema.

Posts recentes

Ver tudo

Comentários


bottom of page