Os anos 1920 marcaram a primeira grande fase da teoria cinematográfica, destacando-se, sob uma perspectiva analítica, o cinema soviético, especialmente a filmografia de Sergei Eisenstein. Para compreender seu trabalho, é fundamental discutir as teorias que ele próprio desenvolveu sobre o sentido e a forma do filme. Para Eisenstein, a arte é sempre conflito, uma dialética dinâmica, que se manifesta de acordo com sua missão social (as contradições do Ser), sua natureza (a existência natural versus a tendência criativa) e sua metodologia (plano e montagem).
O que mais impressiona na obra de Eisenstein são as estruturas formais e estéticas de seus filmes, muito mais do que as ideias temáticas, históricas ou sociais. Um princípio básico: montagem não é edição, e o plano não é um elemento de montagem. Montagem é composição, uma ideia de colisão de planos independentes; e o intervalo entre esses planos determina a tensão, mediante um contraponto visual metricamente rigoroso. Se o cinema eisensteiniano é como um atrito entre dois átomos, ele se formula precisamente dentro do plano e explode na montagem entre os planos isolados, nascendo, assim, um conceito.
A linguagem ideogramática e hieroglífica de Eisenstein propõe uma indireção pela similaridade metafórica que depende da capacidade humana de encontrar paralelos entre dados distintos, estabelecendo relações abstratas. Jean Mitry, teórico, crítico e cineasta francês, foi um dos poucos a questionar como Eisenstein se propunha a realizar seus filmes. Para Mitry, o cinema é uma arte concreta, e a linguagem verdadeiramente abstrata (a linguagem falada) é a que tem a característica de manipular conceitos independentemente de nossa experiência e conhecimento prévios.
Outubro (1927), dirigido por Sergei Eisenstein em colaboração com Grigori Aleksandrov, foi encomendado pelo governo soviético para celebrar os dez anos da Revolução Russa. Neste filme, é colocada em prática a teoria da “montagem intelectual”, grosso modo, a quebra na continuidade narrativa projetada para criar uma relação conceitual. Os cineastas utilizam metáforas para transmitir significados alegóricos e composições simbólicas que reforçam as diferentes categorias de dinamização. O vínculo entre a forma artística e a política é estabelecido pela montagem, que cria energia e conflito visual por meio do choque de imagens, só assim colocando em evidência determinadas contradições temáticas, históricas e sociais.
A complexidade da significação é construída pela dicotomia entre os espaços artificiais (determinados pelos close-ups e detalhes) e os espaços realistas quase documentais, onde Eisenstein utiliza planos gerais para demonstrar grandeza espacial e localizar geograficamente o espectador. A disposição de cada elemento na tela reflete as lutas e transformações históricas em curso, profundamente intrínsecas no lirismo coletivo e na paixão do cineasta soviético pelas multidões, algo evidente desde seus primeiros filmes, como A Greve (1925) e O Encouraçado Potemkin (1925). Seu interesse não se baseia em uma acurada pesquisa da história ou na preocupação em narrar uma crônica cinematográfica. A reconstituição do passado (ficção) não é necessária para sua expressão artística; o que importa é o presente. É esse presente que produz sentido, manifestado, por exemplo, na maneira como ele modela e dilata o tempo ao filmar a mesma cena de vários ângulos, com métodos diferentes, para depois ser entregue a organização fílmica – vide a monumental sequência da elevação da ponte. Eisenstein possui uma aproximação com o documentário muito mais complexa do que se pode imaginar.
Na sequência “Em nome de Deus e da Pátria”, forças antirrevolucionárias tentam tomar o governo provisório, numa aliança entre a religião e o militarismo. A legenda “Em nome de Deus...” aparece na tela. Depois, uma Igreja é mostrada em ângulos opostos, intercaladas com a imagem de um santo. Outras cúpulas e divindades são apresentadas simetricamente, uma em seguida da outra, em diferentes tipos de planos. A legenda “e da Pátria” surge na tela. A ideia de nação é sugerida por medalhas condecorativas. A primeira cena do filme – a estátua do czar Alexander III sendo derrubada membro a membro – reaparece agora em reverso, sendo remontada e alternada com imagens dos mesmos deuses do fragmento anterior, em ritmo frenético. Finalmente, após a estátua ser reconstruída, vemos um representante da Igreja erguendo uma cruz cristã. Posteriormente, o general Kornilov aparece montado em um cavalo branco, seguido por uma estátua de Napoleão também em seu cavalo. Kornilov estica o braço e outra estátua de Napoleão faz o mesmo gesto. O jogo de opostos e dualismo também se faz com Kerensky e a estátua de Napoleão. O intertítulo “Dois Napoleões” aparece na tela.
Em “Por Deus e Pela Pátria”, Eisenstein e Aleksandrov exploram a relação entre a atividade humana e a realização humana, com foco nas ideais de Marx, segundo as quais as crenças religiosas moldam as estruturas sociais e culturais que permeiam as narrativas. Na sequência, há a desconstrução imagética do conceito de Deus, questionando a ideia de divindade através de imagens tensionadas, e afirmando a arbitrariedade das construções ideológicas apresentadas. Essa associação de ideias, baseada em conexões semânticas, representa um passo importante “em direção a um cinema puramente intelectual, livre das limitações tradicionais, adquirindo formas diretas para ideias, sistemas e conceitos, sem qualquer necessidade de transições e paráfrases”, segundo palavras do próprio Eisenstein.
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