top of page

"Os Delinquentes" e a busca do ideal bressoniano

Foto do escritor: Arthur de Barros CamposArthur de Barros Campos
Foto: MUBI & Vitrine Filmes

Os Delinquentes é um filme que se estrutura a partir dos objetos presentes da trama, tanto na construção imagética do filme quanto em sua narrativa. O longa-metragem começa mostrando o protagonista vivendo um cotidiano medíocre e trabalhando no banco; logo, um objeto importante para o filme é apresentado: o cigarro. 


O cigarro é um dos objetos que manipula a imagem da obra em muitos momentos, estando presente em pontos-chave na história. Um exemplo encontra-se no início do longa, quando o protagonista Morán (Daniel Elías) começa a observar, ao fumar em conjunto com seus colegas de trabalho, que aquele cotidiano medíocre não lhe pertence. Nesta mesma cena, o cigarro tem a atenção principal da câmera, guiando-a em planos muito bressonianos – caracterizados por gestos, por precisão e sutileza, buscando observar aquele momento de planejamento sem explicitar o que está acontecendo. Assim como no cinema de Robert Bresson, tais planos constroem uma câmera detalhista, que busca criar uma dimensão realista do filme. É gradualmente que a câmera, ao guiar o nosso olhar correspondendo ao que Morán está planejando, vai revelando o que está para acontecer em seguida.


No que se segue, Morán concretiza seu plano de roubar o banco no qual trabalha e, assim, o filme apresenta o dinheiro, objeto que impulsiona toda aquela narrativa. Após entregar o dinheiro a Román (Esteban Bigliardi), seu colega de trabalho – que logo se torna parceiro de crime –, Morán se entrega para a polícia e, durante grande parte do filme, esconde um segredo, revelado através de uma carta que ele entrega a Román na prisão. Essa carta abre uma elipse que compreende o principal momento em que os personagens vão, finalmente, entender o valor da jornada que tiveram até aquele momento. É daí que o longa demonstrará, com mais precisão, uma característica que ele imprime desde o começo: a negação do presente e da vida do consumo para a aceitação de uma vida simples, na qual o dinheiro é a menor das preocupações. Ressignifica, assim, sua força motriz, fazendo com que o objeto desejado no começo e a ação de roubar o banco se tornem, na realidade, uma oportunidade de reaprender sobre a própria vida e criar um novo significado dali para a frente.


Foto: MUBI & Vitrine Filmes

Essa ressignificação parte, também, do entendimento do diretor do filme de que o cinema atual sofre de uma crise identitária; para ele, é necessário olhar para trás, para uma certa sutileza do auge do cinema europeu, para pensar no futuro da linguagem. Explicita isso ao colocar um personagem, que é um diretor de cinema, dizendo que não se considera um cineasta, mas sim um produtor de vídeos, pois a linguagem cinematográfica está morta. E o ideal que Rodrigo Moreno quer alcançar aqui é Robert Bresson.


É notável, desde o começo de Os Delinquentes, essa forte inspiração em Bresson. O filme todo funciona como uma tentativa de fazer reencenar toda a estética e mise-en-scéne que Bresson tinha em seus filmes: os quadros, ao mesmo tempo simples e geométricos; a atenção muito presente aos gestos dos personagens, aos movimentos das mãos e dos olhares; a câmera que se faz ser notada com movimentos e zooms muito sutis; e, principalmente, a criação de uma narrativa que sai do objeto (dinheiro) para a inspeção mais aprofundada daqueles que são afetados por ele. É, também, bastante óbvio que o filme tem forte inspiração no filme final de Bresson, O Dinheiro (1983), já que ambos têm no mesmo objeto a força motriz de suas narrativas.

O Dinheiro (1983), de Robert Bresson (Foto: Reprodução)

Nessa tentativa de Moreno de recriar uma estética bressoniana, o filme acaba sendo mais um simulacro do trabalho de Bresson do que um comentário sobre o estado atual do cinema ou uma homenagem nostálgica. O longa está, a todo momento, em uma negação do tempo atual, mesmo que à primeira vista seu discurso possa parecer crítico ao consumismo e à exaltação de uma vida “simples”. Isso é notável primeiro pela negação do tecnológico: são poucas  as vezes em que é possível observar que estamos nos dias atuais. Os celulares e computadores são observados apenas em momentos específicos do filme, numa tentativa de criar um universo anacrônico, tentando remover tudo o que pertence ao presente nessa busca por um ideal do passado; e segundo, quando ele está sempre nessa busca de criar algo novo, mas apenas copiando o estilo de um outro cineasta, mostrando que ele está apenas em busca de concretizar um filme sobre esse ideal do passado, mesmo não pertencendo ao momento desse ideal.


É um filme que compreende o tempo onde está localizado, mas não quer pertencer a tal tempo, quer ser fruto de um pretérito. O diretor parece querer pertencer a um certo “cinema ideal” à força, esvaziando sua obra e discurso a um mero simulacro que não compreende suas referências para a criação de algo realmente novo.


Os Delinquentes é um filme que está o tempo inteiro em uma negação de seu contexto, que tenta discutir como se deve seguir em frente, se inspirando em um cinema “de verdade”, mas sem saber reinterpretar essa verdade no tempo presente, tendo que sempre negar de onde ele pertence para se encaixar nesse ideal do cinema bressoniano.


Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page