Já faz 30 anos desde que o sol da savana africana raiou nas telas de cinema ao som de “Ciclo sem Fim,” composição de Elton John e Tim Rice que, em terras brasileiras, ficou conhecida na voz de Ana Paulino. Assim iniciava O Rei Leão, fenômeno que viria a se consagrar como a jóia da coroa do período da renascença dos estúdios Disney. Desde então, dificilmente há uma criança que viveu os anos 90 e que não tenha crescido com a história de Simba, príncipe que foge do seu reino e tem o trono usurpado por seu tio. Durante sua jornada, o leão se afasta do seu destino, mas precisa encarar finalmente o passado, tomar seus traumas como lições, lidar com seus erros, suas imperfeições.
O Rei Leão ganha forma justamente a partir de tais imperfeições. Utilizando técnicas de animação tradicional, há aqui um certo apego ao exagero de formatos e cores. Os leões não deixam de ser animalescos em seus movimentos, mas seus olhos são grandes e coloridos, de maneira a diferenciá-los e transmitir perfeitamente os sentimentos dos personagens. Desde a primeira cena, ainda sem diálogos, é possível decifrar Mufasa, pai de Simba, apenas por sua troca de olhares com Zazu. Firmeza, imponência, mas também acolhimento e calor. Afasta-se do real, do perfeito, para tornar tudo mais mágico; a partir daí, a empatia é conquistada quase que imediatamente.
Como uma marca registrada das animações Disney da época, há aqui números musicais grandiosos, que apresentam belas oportunidades para ousar com o visual. Quando Simba canta sobre a vontade de ser rei, entramos na imaginação dele, as cores são mais vivas, a fauna africana forma um balé e folhas representam uma futura juba. Quando Scar irrompe em uma música vilanesca, ele é iluminado pelo luar, há névoa e é quase possível sentir o enxofre pela tela. Em 2024, é como testemunhar um exemplar de uma época em que o bichinho do realismo ainda não havia picado grande parte dos realizadores de Hollywood. Mesmo em animação, há um esforço crescente para emular o mundo real em textura e formas, aproximando-se de uma experiência live-action, de uma suposta perfeição, mas se afastando dos exageros que dão voz à criatividade.
Dado o sucesso que o filme fez em seu lançamento, não é surpresa que fosse gerar novos projetos. Duas sequências foram lançadas para vídeo alguns anos depois, seguindo o modelo da empresa na época; duas séries de televisão foram exibidas nos canais da Disney, um musical na Broadway vem sendo encenado já há mais de duas décadas e, inevitavelmente, um remake foi lançado em 2019. Seguindo essa onda de aproximar tudo do live-action, o longa com direção de Jon Favreau usa da computação gráfica para recriar um cenário hiperrealista a ponto de não ser enxergado popularmente como uma animação.
O longa é válido enquanto experimento, usando de toda a tecnologia que um grande orçamento pode fornecer (cerca de U$ 250 milhões) para mostrar que é possível recriar um cenário real por meio de computadores e mantê-lo em tela por quase duas horas, mas para quê? Há alguma motivação criativa que engrandeça a estória ou a reconte com outras nuances? A resposta é não; o novo O Rei Leão foi desenvolvido assim simplesmente porque podia ser, mas o resultado é de um imenso vazio que nem o canto mais animado de Hakuna Matata é capaz de preencher. É como alcançar o topo de uma montanha com a expectativa de um sentimento de realização, apenas para perceber que só o que resta é a descida.
A nova versão pode até ser um triunfo da técnica, mas é um fracasso criativo. Ficou em 1994 toda vida e conexão que o público constrói com os personagens em menos de 1h30 de projeção, ficaram lá os olhares exagerados, o maravilhamento em ver uma figura maior que a vida surgir nos céus, ficou lá o lúdico e tudo que fazia de O Rei Leão algo tão especial. Se antes viajávamos com Simba para dentro de sua imaginação, no remake resta assisti-lo correr; a música do vilão vira uma declamação em que ele apenas sobe em pedras para reforçar sua imponência. Tudo é vazio, aproximando-se do real, da representação “perfeita”, mas anos-luz de recriar a magia do longa que serviu como base.
Parece que os realizadores não entenderam a lição que foi ensinada lá atrás — talvez por isso seja uma das poucas cenas cortadas do remake —, que o passado pode nos ensinar, se escolhermos aprender com ele em vez de fugir. O Rei Leão mostra que está tudo bem não ser perfeito, não ser ideal; é aí que mora a mágica, que se formam as conexões e, quem sabe, nessas imperfeições se esconda um grande rei.
O Rei Leão (1994); O Rei Leão 2: O Reino de Simba; O Rei Leão 3: Hakuna Matata; O Rei Leão (2019) e todos os episódios de Timão e Pumba e A Guarda do Leão estão disponíveis no Disney+.
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