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"Motel Destino": Sob sol escaldante e desejo ardente, um filme morno

Foto do escritor: Matheus CaminhaMatheus Caminha
Foto: Divulgação/ Pandora Filmes

Em um primeiro momento, Motel Destino pode ser percebido como um filme de certa forma diferente do que Karim Aïnouz já apresentou em sua filmografia. Entretanto, por trás dessa roupagem nova, carregada de luzes vibrantes de neon e uma atmosfera de suspense, vemos dramas de personagens perdidos e deslocados, tentando se encontrar no mundo, ou simplesmente buscando fugir da realidade de opressão cotidiana. Nesse sentido, é visível o mesmo coração nas histórias de Aïnouz. Dayana e Heraldo são  como  Suely, Eurídice, Guida, Madame Satã e tantos outros.


Um movimento louvável de Motel Destino é colocar em destaque a sexualidade e o tesão no cinema brasileiro contemporâneo – numa época em que se é debatido se serviços de streaming deveriam ou não ter uma opção de pular cenas de sexo, em que temos uma geração de jovens cada vez menos interessada no erotismo, mostrando incômodo com esse tipo de representação. Assim, é interessante pensar que o filme se coloca em uma posição oposta à parcela considerável das próprias produções nacionais, que têm constantemente se esquivado de abordar o sexo em tela, em uma tentativa de atingir um público médio fictício e não desagradar determinados setores, criando uma espécie de tabu em determinadas narrativas. Nessa perspectiva, é interessante estar em evidência, nacional e internacionalmente, um filme como Motel Destino, cuja premissa fundamental é o erótico, algo com grande tradição no cinema nacional que vem sendo colocado de lado. É o retorno de algo identitário do nosso cinema, que pode influenciar substancialmente o panorama da produção do país.


Mas isso é o suficiente?


A verdade é que pouco importa a quantidade de estímulos sexuais, cenas de sexo ou nudez, se o filme não possuir uma boa construção da tensão sexual. Nesse caso, as cenas de sexo se mostram na maioria das vezes pairando sobre um certo conservadorismo, em termos de imagem e disposição dos atores. Parece haver uma confiança de que apenas os nus frontais suprirão essa necessidade. Apesar de o triângulo amoroso proporcionar sequências interessantes, como a cena da festa na piscina, no geral, falta construção desse “tesão” nas nuances, em momentos banais onde se possa ver a sexualidade entre corpos. Dayana (Nataly Rocha) e Heraldo (Iago Xavier) tem repetidas cenas de sexo, mas nenhuma que realmente impacte o espectador. Já Elias (Fábio Assunção), tem momentos interessantíssimos, como a já citada cena da piscina e quando rouba um beijo de Heraldo, justamente cenas que nem envolvem sexo explicitamente, mas que possuem um tesão latente em sua atmosfera, bem mais potentes. 

Foto: Divulgação/ Pandora Filmes

Motel Destino é um filme descrito muitas vezes como um “thriller erótico”, até mesmo “neo noir”; logo, seria natural que convenções de um cinema hegemônico entrassem em cena, principalmente com relação a aspectos narrativos e de estruturação de roteiro. Já era esperado, nessa fase de internacionalização do cineasta – que esteve perto de disputar o Oscar com A Vida Invisível (2019) e já se prepara para filmar seu segundo longa em língua inglesa – que o filme seguisse uma lógica narrativa e formal bastante tradicional, feita para ser apreciada no estrangeiro.


Porém, é bastante contraditório que um filme que se propôs a quebrar certos tabus, que tanto se vende como sem pudor ou como chocante, recaia em tantas convenções. As inspirações em thrillers policiais americanos e no cinema noir, assumidas pela direção, deveriam servir de pontapé inicial para propor algo diferente, mas, na verdade, levam o filme para um lugar-comum, com um desenho de história convencional, em conjunto a uma “fotografia bonita“ mas que não tem tanta coisa a contar, recheado de macetes destinados a agradar os grandes festivais internacionais. Sem tanta inventividade.


O filme tem até um início impactante, com um certo frenesi, ritmo acelerado gerado pela necessidade de fuga de Heraldo e posteriormente uso do motel como esconderijo, aliado a uma ótima apresentação do casal protagonista. Porém, essa frequência não se mantém, e o que deveria pegar fogo, se torna morno. A história a partir daí recai na previsibilidade e no marasmo. 

Foto: Divulgação/ Pandora Filmes

Ao se refugiar nesse motel de beira de estrada, assume-se que Heraldo não tem mais para onde ir, que qualquer movimento em falso pode ser notado pelos traficantes que o sentenciaram à morte. Assim, o filme nos direciona para a ideia de que esse lugar de suposta salvaguarda do protagonista seja ainda pior do que o ambiente externo; que pudéssemos vê-lo encurralado ali, em um espaço hostil, onde não pode sair pelos perigos exteriores, mas que lá dentro se sentisse tão ameaçado quanto, algo bastante interessante. Porém, isso nunca se desenvolve até um ponto mais interessante, ficando apenas em sugestões e intenções. Há pouca urgência ou estado de perigo iminente, falta atmosfera, apenas um corredor de serviço apertado e as ambiências com gemidos falsos, fabricados em estúdio, não são suficientes. 


Salvo dois encontros ao acaso com um dos traficantes, e os flashes psicodélicos que remetem a uma paranoia do personagem, poucos sentimos esse perigo. Pelo contrário, Heraldo parece bem confortável naquelas circunstâncias de novo trabalhador do Motel Destino, ao lado de Dayana e Elias. Justamente o  personagem Elias, um dos mais interessantes do filme, mesmo sendo o principal antagonista, com toda sua aura de miliciano carioca, só chega a emitir sinais de que pode fazer algo sério contra o protagonista já no último ato. Algumas insinuações e o comportamento de marido abusivo não são o bastante para a construção de uma ameaça real dentro daquele espaço. Em resumo, falta uma melhor construção de atmosfera que torne aquele lugar realmente claustrofóbico, inóspito, hostil, etc.


Depois dos sucessos recentes de Karim Aïnouz, Motel Destino, seu retorno ao Ceará, nos cercou expectativas. É inegável a importância do filme para a conjuntura do cinema brasileiro, nordestino, cearense, em termos de visibilidade e expressão, oportunidades, ou em temática, ao reforçar elementos em falta na filmografia nacional dos últimos anos. Porém, peca especialmente ao se submeter à lógica de um cinema internacional dominante, resultando em um filme “bonito” e “bem feito”, mas com pouco a acrescentar tanto em história como em forma.


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