
Pensar a palavra "tempo" traz consigo sua estrutura complexa e multifacetada. Em uma rápida pesquisa na internet, uma das definições que emerge é aquela que considera o vocábulo como a duração relativa das coisas, criando no ser humano a noção distintiva de presente, passado e futuro. Tal concepção, vista pela ótica humana, desempenha um papel crucial na forma como percebemos e compreendemos a existência. Essa tríade temporal não apenas organiza nossa percepção do mundo, mas também influencia nossa compreensão do significado da vida. Cada momento ou fragmento transforma-se em memória gravada pelo imaginário ou, nos últimos séculos, em imagens fotográficas, sejam elas estáticas ou em movimento. Adeus, Capitão (2023, dir. Vincent Carelli e Tita) entende sua posição como matéria fílmica, como arquivo e, principalmente, como escuta. Durante as quase três horas de duração, o filme engendra em sua montagem décadas de uma história.
Os cineastas levam o olhar para Krohokrenhum, líder do povo indígena Gavião; através dele, descortinam-se imagens muito poderosas de questões que atravessam um povo como um todo. Ao optar por iniciar o longa-metragem com a volta de Carelli à comunidade indígena, a fim de mostrar registros antigos restaurados e tentar entender melhor a história daquele lugar, põe-se na linha a ideia de uma imagem que foge de uma definição filosófica de representação e encontra na denotação do arquivo um espaço de resgate e entendimento de si como indivíduo e como membro de algo maior. Carelli e Tita agem como autores de um delito essencial: o rompimento do véu da superfície e o desnudamento do que se fazia presente nas entrelinhas. Eles encontram a fonte, a imagem, a história e decidem mantê-la e preservá-la.

Krohokrenhum também compreende a força da imagem cinematográfica quase como algo platônico, ao mencionar que sua sombra irá guiar os herdeiros após sua partida. Tal sombra é sua figura simbólica, a do Capitão, ou o "índio bravo", que até o fim resistiu ao desaparecimento da comunidade indígena como espaço de saberes e tradições, tendo assistido ao epistemicídio de tudo isso acontecer disfarçado em uma diluição de suposto progresso. Ao provocar, durante todo o filme, o encontro da imagem-presente com a imagem-passado, os cineastas apontam para uma imagem-futuro — esta, no que lhe concerne, temerosa, onde o papel de permanência de uma língua ou de um ritual se mostra ameaçado. Ao fazer questão da presença de Vincent durante um dos últimos rituais enquanto estava vivo, Krohokrenhum entende que uma forma de preservar seu povo de um completo aniquilamento cultural passa pela reprodução imagética, da sua sombra e da sua voz projetada em uma parede ou em uma tela.
Imagens de vinte a trinta anos atrás se tornam objetos de tensionamento e de atenção tanto por nós, espectadores, quanto pelos personagens do filme. O que, ali, permanece semelhante? O que há de diferente? O que de fato se perdeu com a inserção e intervenção dos homens brancos naquela cultura? O espaço de questionamento se abre e, com ele, o espaço de escuta. É neste ponto que Carelli e Tita encontram outro ponto de força do longa-metragem. Tomemos dois momentos do filme que exemplificam esse detalhe: enquanto conversa com um dos filhos mais novos de Krohokrenhum, a câmera permanece em um plano fechado do rosto do indígena. Até então, a linguagem documental se mostra técnica e formal. Até que a montagem leva o olhar espectatorial para o rosto de Carelli, que ouve atentamente o que está sendo dito. Não é um plano durável, mas que impacta pela sua sutileza.
Ora, por mais que o filme tenha como ponto de partida a amizade entre o cineasta e o Capitão do povo Gavião, o projeto nunca torna-se ensimesmado na narração do diretor. Carelli e elipse tornam-se sinônimos, visto que ambos são entendíveis, mas não se fazem presentes com constância. O que importa aos cineastas é o que Krohokrenhum fala e como o filme é um caminho de preservação dessa historicidade. Isso fica evidente em um segundo momento: o instante em que o protagonista conta sobre as mortes em uma das disputas com outra comunidade indígena. Sem imagens para ilustrar, os diretores optam pela tela preta por aproximadamente um minuto. É a voz de Krohokrenhum que ecoa, atravessando o tempo-espaço e atingindo cada um que o escuta. A obra torna-se uma espécie de guardião. Ao despedir-se de seu amigo através da forma fílmica, Vincent Carelli presta a ele a mais bela das homenagens: a perenidade da imagem, da sombra, da memória, da existência e do tempo.
Visto no IV JED: Jornada de Estudos do Documentário, que ocorreu com sessões especiais no Cinema da UFPE.
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