
Inicialmente, Gladiador II, dirigido por Ridley Scott, inicia sua jornada em um diálogo silencioso entre o homem e a natureza, antes de ser dominado pelo clangor das espadas e gritos de batalha. Lucius (Paul Mescal), filho de Maximus (interpretado, no primeiro filme, por Russell Crowe), está sentado no chão, seus dedos buscando a textura da terra — um gesto que evoca a conexão visceral de seu pai com a arena. Contudo, diferente de Maximus, Lucius parece incapaz de encontrar conforto ou significado naquele toque. Sua esposa, percebendo sua inquietação, o incentiva a ser mais gentil, mas o sorriso que ele esboça é breve, logo interrompido por um alarme ensurdecedor: um som que anuncia a aproximação de uma tropa inimiga prestes a invadir a cidade.
Seguindo os passos do pai, Lucius não hesita em se erguer para liderar seus homens. Ele caminha entre os soldados, motivando-os com palavras que carregam o peso da herança de Maximus. Porém, o que poderia ser um reflexo da liderança de seu pai rapidamente se transforma em tragédia. Em meio ao caos de uma batalha brutal e desigual contra as forças de Roma, sua esposa é mortalmente atingida por uma flecha. A visão de sua queda paralisa Lucius, enquanto sua atenção se fixa em um único homem no campo de batalha: Marcus Acarius (Pedro Pascal), o general de Roma, conhecido por carregar em suas mãos o sangue de incontáveis vidas em nome dos gêmeos imperadores, Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger).
A energia dinâmica e bárbara das imagens em Gladiador II, especialmente nas sequências de batalha e na sobrevivência de Lucius em sua nova posição como escravo, é fascinante. Ridley Scott explora essa intensidade com maestria, utilizando a câmera para transformar os movimentos em algo que transcende o que está sendo mostrado, principalmente no rosto de Paul Mescal. Nas batalhas anteriores ao Coliseu, o filme entrega uma intimidade maior com o protagonista, revelada através de suas expressões — uma combinação de medo e determinação —, reforçando que seu objetivo principal é a cabeça de Marcus Acarius.
Porém, à medida que a narrativa avança, o foco migra para um jogo político mais intrincado, envolvendo figuras masculinas como Macrinus (Denzel Washington) e os gêmeos imperadores. Apesar da tentativa de tornar essas intrigas relevantes, o filme começa a perder parte de sua força nesse ponto. A complexidade das relações e os conflitos de poder entre essas figuras acabam diluindo a tensão inicial, desviando a atenção da jornada visceral de Lucius.
Obras históricas como Gladiador II e O Homem do Norte (2022, dir. Robert Eggers) têm em comum protagonistas em busca de vingança, um tema que ressurge com força após o sucesso do mangá Vinland Saga. Na narrativa de Makoto Yukimura, autor de Vinland Saga, um jovem guerreiro viking é consumido pelo desejo de vingança pela morte de seu pai; mas, ao longo de sua jornada, descobre um propósito mais profundo. Embora não esteja claro se Ridley Scott tomou Vinland Saga como referência direta, a semelhança nas temáticas cria, inevitavelmente, um terreno fértil para comparações — não apenas com o Gladiador original, mas também com o que há de mais impactante na reprodução atual da arte.

Embora as falas dos personagens em Gladiador II às vezes soarem pedantes, suas ações revitalizam frequentemente o longa, trazendo uma energia visceral que o torna marcante. Os movimentos caóticos e desequilibrados de figuras como Macrinus e os gêmeos reforçam essa sensação de brutalidade, criando uma Roma onde a insanidade e a violência atingem novos patamares. O antagonismo, que no primeiro filme encontrava sua personificação em Cômodo (Joaquin Phoenix), agora se expande para um diálogo insano com a barbárie, elevando a narrativa a uma intensidade extrema.
A rebelião conduzida pelos irmãos imperadores é o ápice dessa selvageria: um deles assassina o outro a sangue-frio, não apenas para consolidar o poder, mas também para criar uma figura de culpa conveniente. O absurdo atinge seu ápice quando um macaco é nomeado para um cargo de alto prestígio, uma atitude que confunde os servos, já desorientados pela decadência moral e política. Essa cena, embora absurda, ecoa algo profundamente contemporâneo: a substituição de figuras de autoridade por indivíduos performáticos, como homens com câmeras apontadas para si, gritando atrocidades para conquistar influência.
Os momentos finais de Gladiador II têm seus méritos, especialmente pela intensidade das batalhas, mas acabam se prolongando além do necessário, diluindo parte de seu impacto. A escolha de trocar o confronto entre dois exércitos por uma luta corpo a corpo entre Lucius e Macrinus, embora com potencial dramático, resulta em uma conclusão que não faz jus à grandiosidade do conflito político e social em jogo. Essa decisão torna a queda do anarquismo em Roma menos impactante do que poderia ser, mesmo com o esforço de Ridley Scott em entregar um combate simbólico entre os dois lados daquela época.
Creio que, desde Perdido em Marte (2015), Ridley Scott não tenha feito um filme regular como esse – por mais que tenha momentos desestimulantes diferente do primeiro filme, ainda é um bom conteúdo de entretenimento. Somos levados por Lucius, mesmo que às vezes estejamos indiferentes com a presença das forças antagônicas, porque a narrativa transparece uma leveza em torno dessa figura messiânica, que é Lucius, então não parece que o personagem será morto, essencialmente em suas provações finais (mais uma vez, diferente do primeiro filme). Em sua conclusão imagética, Scott deixa caminhos para uma sequência, mesmo que tenha feito seu protagonista ter visões com sua possível morte na arena, o que não fez tanto sentido dentro da conclusão, já que o protagonista representava essa nova dramatização de Roma.
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