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Entrevista com Todd Haynes sobre "May December"


O roteiro original de May December não se passaria em Savannah, por que a escolha de mudar a intriga para a Geórgia?

A história se passa em Camden, no Maine, durante a época de entrega dos diplomas. Logo, ninguém nunca teria acreditado que nós estávamos no mês de maio se nós tivéssemos filmado lá no outono! Eu voltava do festival de Savannah, onde fui diversas vezes, e acontece que a Geórgia propõe um abatimento fiscal extraordinário para as filmagens. Além disso, uma outra coisa me desagradava com Camden: é um pouco a típica cidade americana que esconde seus escândalos. Mesmo que Savannah tenha também um pouco esse aspecto, ela encarna as faces sombrias da história americana. Savannah se assemelha, sobretudo, a uma cidade de festas constantes. Eu via bem o personagem de Elizabeth aterrissando lá e reservando um quarto em um hotel do centro histórico. Fora isso, a vinte minutos você tem a cidade balneária de Tybee Island. Geograficamente, é um lugar totalmente incrustado; a gente não sai dele. E a gente encontrou essa casa, aberta para o horizonte, mas com um sentimento pétreo: o cenário perfeito para nossa história. Tudo já estava lá: a rua, as janelas de vidro que dão para o jardim.


Mudar de cidade se tornou então uma escolha crucial para o filme?

Na realidade, os filmes muitas vezes são feitos assim. Você descobre lugares seguindo a sua intuição e tudo isso nutre o filme. Às vezes, você pensa em um ator que não está disponível e você pega um outro que se revela superior à sua primeira escolha. Um dos melhores exemplos disso é Charles Melton. Eu tinha visto uma foto dele e não acreditava nele. Ele me parecia corpulento demais, glamouroso demais. Então, ele nos enviou um vídeo e sua interpretação era tão tranquila, serena… Sua atuação me abriu ao que poderia ter sido essa relação em seu início.


Você já tinha experienciado isso antes?

Isso ocorre bastante quando a gente precisa de um rosto novo. Acontece algo misterioso com esses encontros. Mas o que deixa May December especial para os meus olhos é que esse filme cresceu tão rápido e que, além dos atores, ele é feito de encontros com novos colaboradores. Nós tivemos que trabalhar a todo vapor, com um orçamento minúsculo e vinte e três dias de filmagens.



Esse orçamento já incluía a música de Michel Legrand Le Messager?  

Com certeza. Eu confeccionei um livro de imagens que poderiam influenciar o filme e eu pedi à equipe para folheá-lo escutando a música Le Messager, que eu tinha redescoberto, e então coloquei a música para tocar no set! A equipe ficou um pouco surpresa no início. A música acabou impregnando os movimentos de câmera e o ritmo dos zooms. O que eu sempre soube é que a dicotomia entre a música e a imagem indica aos espectadores que existe algum lugar por onde se permeia a dúvida sobre o que a imagem lhes mostra; mas de maneira divertida. O espectador devia ter confiança no personagem de Elizabeth, mas duvidando se ali existe alguma pegadinha


Quando você lê um roteiro, como você sabe que você vai fazer um filme dele?

Eu li que Bergman tinha uma imagem em mente: duas mulheres que se parecem usando dois chapéus de palha e comparando suas mãos. Esse foi o ponto de partida de Persona. Às vezes, é tão simples quanto. Uma imagem, em torno da qual todo um filme vai se construir. No caso de May December, é o monólogo final de Elizabeth que me lembrou de Luz de Inverno (1963), onde Ingrid Thulin traz a carta em um plano aproximado em preto e branco. Isso marcou minha adolescência e eu me disse que eu devia dirigir esse filme para fazer esse plano. Todo o resto provém desse momento. E eu tinha vontade de trabalhar em torno da questão de espelhos em planos fixos.


Mas geralmente, quando você faz um filme você sabe que ele vai ser bom?

A bem dizer, é um processo mais rotineiro. O que você sabe é o que você tem para fazer durante o dia e o que você tem para fazer no dia seguinte. É também um pouco violento, porque quando você filma, você esquece o roteiro. As imagens nunca são exatamente aquelas que você tinha em mente. Depois eu me espreguiço na minha cama e passo dois meses olhando todos os diálogos. Daí eu escrevo centenas de páginas de comentários sobre absolutamente cada tomada. Quando eu descubro as imagens, eu me dou conta de coisas que eu nunca teria percebido nas filmagens. Nos meus filmes, Julianne Moore faz coisas que meu olho não vê, coisas que a gente vê somente pela objetiva da câmera. Em seguida eu envio minhas anotações ao montador, ele faz uma versão e eu o encontro na sala de montagem. Carol é um filme que foi transformado pela montagem, sua estrutura foi revista, ao contrário de May December.



Como O Preço da Verdade (2019), esse filme é baseado em fatos. Porém a abordagem é diferente; uma realidade de conto de fadas.

Na realidade eu o vejo como um conto de fadas sombrio e distorcido. Quando eu o li pela primeira vez, eu tive vontade de ficar alheio à história real de Mary Kay Letourneau. Eu tinha principalmente a intenção de partir do roteiro de Samy Burch. Sua abordagem era interessante, porque o filme foi escrito vinte anos depois dos fatos. Julianne me convenceu de assistir Autobiography, um documentário sobre o assunto; e foi fascinante. Instintivamente, Julianne tinha compreendido tudo que tinha dentro dessa relação. Não era a história de uma mulher madura que fantasiava por jovens. Não era uma história de pedofilia. Era a história de uma princesa que ia ser salva por um belo, viril e jovem cavaleiro. Onde ela poderia atuar no papel da princesa. Dessa forma eles conseguiriam negar essa diferença de idade e ela poderia se colocar em um posição que a exaltava. Eu mudei alguns detalhes do roteiro, mas o que parece incrível é contar uma história no passado. Joe não é mais um jovem homem e há diversos Joe existentes no filme: o que aparece em fotos nos tabloides, o dos filmes na tv…


Quais são as diferenças entre seus três intérpretes principais, do ponto de vista de direção de atores?

Eu diria que Julianne e Natalie são similares nas suas maneiras de trabalhar. Não são atrizes “do método”, elas são muito divertidas, brincalhonas e descontraídas em cena. Logo no início Julianne tinha um pouco de apreensão em relação à carga de trabalho que pesava sobre seus ombros, tendo que chegar pontualmente com seu personagem completo para que Natalie comece a imitar. Mas todas as duas são pessoas incrivelmente fortes e elas se adoram mutuamente. Consequentemente, juntas elas tranquilizaram Charles e contribuíram para deixá-lo totalmente à vontade.


 

Trechos de Je voulais raconter cette histoire au passé, entrevista com Todd Haynes, por Adrien Gombeaud e Yann Tobin. Presente no nº 755 (janeiro de 2024) de Positif.

Tradução de Gabriel Dias.

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