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Déjá Vu Racial em "Faça a Coisa Certa"

Foto do escritor: Wandryu FiguerêdoWandryu Figuerêdo


Um "Déjà Vu" é um termo francês utilizado para descrever a sensação de já ter estado em um lugar ou ter feito algo semelhante anteriormente. No cinema, também podemos vivenciar um tipo de "Déjà Vu" quando nos deparamos com obras que parecem seguir um padrão já estabelecido de estética, conteúdo e expressão. Em "Faça a Coisa Certa", essa sensação de familiaridade se manifesta em várias interações entre os personagens. Quando a câmera nos leva até a Pizzaria do Sal, supostamente a melhor da cidade, imediatamente antecipamos atos de racismo que, embora sejam apresentados com diferentes palavras e argumentos, continuam a ecoar de forma ‘’inocente’’ e agressiva, tanto para os personagens quanto para os espectadores que compartilham da mesma experiência racial. O momento de "Déjà Vu" mais impactante se desenrola nos instantes finais, quando dois personagens são detidos pela polícia. Mesmo que os detalhes de suas vidas permaneçam ocultos após a entrada naquele veículo, é inegável a influência da cor de suas peles nas ações que se desdobram após a câmera sair de cena. Ao invés de registrar seus suspiros até uma suposta delegacia, a câmera capta o grito silencioso da comunidade negra, um grito que ganha novas camadas de significado a cada corte na cena. Na canícula do dia mais escaldante do ano, a trama gira em torno de Mookie (interpretado por Spike Lee, que também assume a direção do filme), um funcionário de uma pizzaria local, gerida por uma família de imigrantes brancos italianos, composta por Sal, Vito e Pino. Em um lapso de pouco mais de 24 horas, o filme acompanha as jornadas de Mookie, Rádio e Buggin Out, enquanto eles vivenciam a dinâmica do seu bairro, Bedford-Stuyvesant. Embora haja um protagonista central na história, Mookie é apenas uma peça desse complexo quebra-cabeça dirigido por Spike Lee. O verdadeiro protagonismo recai sobre as tentativas de exposição do racismo, que se manifesta tanto por meio de diferentes discursos quanto de atos do cotidiano.


Num dia em que a sensação térmica atinge seu auge, os close-ups capturam cada gota de suor escorrendo pelos rostos dos personagens, criando uma sensação constante de exaustão, à medida que uma energia latente vai se acumulando, culminando nos momentos finais da cena. É Buggin Out quem primeiro transforma o calor opressivo em palavras, questionando por que tantos retratos de pessoas brancas decoram as paredes da Pizzaria do Sal, considerando que a maioria dos clientes é negra. A princípio, mesmo na presença de negros, poucos refletem sobre a presença constante dessas imagens brancas, que servem como um padrão de representação, enquanto os corpos e rostos negros são praticamente invisíveis, pois não se encaixam nesse modelo social estabelecido.



Na abrasadora tarde do Brooklyn, Rádio passeia pelas ruas com seu aparelho de som gigante, uma espécie de afirmação de sua identidade negra diante do mundo. Tanto os elementos visíveis quanto aqueles mais sutis compõem uma representação singular de Rádio no bairro. Embora até mesmo colegas da própria comunidade negra desestimulem seu comportamento, ele transita pelas ruas com a confiança de quem acredita ser capaz de realizar qualquer coisa, agindo como se tivesse a liberdade e segurança que, muitas vezes, são associadas às pessoas brancas.


É notável como, mesmo sendo uma obra de ficção, a câmera adota diferentes formatos fotográficos para enfatizar uma mensagem dentro do plano. A composição visual passa por uma transformação quase inovadora, evoluindo de uma abordagem quase vertical para um plano holandês, e é nesse cenário que os primeiros indícios de um grito de protesto começam a emergir. Os personagens não apenas encaram os desafios da narrativa ficcional, mas também se dirigem, de certa forma, aos espectadores na sala de cinema, convidando-os a refletir sobre suas posições de espectadores.


O momento "Déjà Vu" ressurge com a morte de mais um personagem negro na tela, uma imagem que não necessariamente choca, mas que inquieta devido ao silêncio ensurdecedor que a envolve. No meio de olhares abaixados, Rádio perde a vida em frente à Pizzaria do Sal, devido ao seu protesto por uma maior diversidade nas imagens que adornam as paredes do estabelecimento. Sua morte é causada por dois policiais e uma família ítalo-americana que prefere testemunhar seus últimos momentos em silêncio, ao invés de pronunciar um simples "Basta". O ato final de Mookie como funcionário de Sal é simbolizado ao pegar uma lixeira e arremessá-la através da vitrine da pizzaria. Essa ação representa o início de um movimento mais amplo na comunidade, que visa destruir os símbolos que não se alinham com suas aspirações coletivas e desafiar as formas passivas de ocupação de seus espaços. Quando os bombeiros chegam, ao invés de apagar o fogo, eles decidem usar a água para dispersar os indivíduos negros. E quando a polícia chega, em vez de questionar, eles sacam suas armas.


"Faça a Coisa Certa" é, sem dúvida, um dos filmes mais significativos da história do cinema americano, notadamente por abordar o racismo de forma explícita, mas também por revelar as manifestações implícitas do racismo cotidiano. Infelizmente, a obra alcança uma autenticidade marcante, porém, na realidade, não existe alardes ou gritos, apenas novos atos desenhados com sangue em calçadas urbanas.


O filme está disponível no Prime Video Brasil e na Globoplay.

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