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"Better Man - A História de Robbie Williams": Dança, Macaquinho, Dança...

Foto do escritor: Felipe DuarteFelipe Duarte
Foto: Divulgação/ Diamond Films
Foto: Divulgação/ Diamond Films

O estágio final de consolidação de um ícone é o cunhar de sua mitologia. A jornada é que faz o herói. E em tempos em que fama, status e influência são possíveis hoje – guardadas as devidas proporções – para um número cada vez maior de pessoas, dilui-se o prestígio invejável antes associado a essas potências. Talvez em resposta, um certo perfil de astros e estrelas têm então investido na dramatização de suas próprias vidas, disponibilizando um mito glorificador que sustente sua posição no estrato superior de um panteão superlotado. O tomo que carrega os contos de origem e sacraliza suas glorificações é o cinema narrativo. Notoriamente, atravessamos uma onda de biopics musicais que abraçam o envolvimento de seus personagens principais nas decisões de produção. 


Entre o Elton John de Taron Edgerton em Rocketman (2019, dir. Dexter Fletcher) e o cartunesco Mercury de Rami Malek no horrendo Bohemian Rapsody (2018, dir. Bryan Singer), essa tendência comercial floresce em solo inglês e encontra respaldo em prêmios e bilheteria, apresentando histórias reais (ou tão reais quando podem ser com a constante intervenção dos músicos representados no processo de realização) com uma desculpa compreensível para interromper o mundo com canções. Faz sentido que, eventualmente, estrelas não tão brilhantes assim fossem recorrer à fórmula para reclamar seu lugar ao sol. 


É nesse intuito assumido que Robbie Williams (não confundir com o comediante cujo primeiro nome é Robin) cede sua biografia para o musical Better Man – A História de Robbie Williams (2025), um dos mais inusitados projetos do sub-gênero a alcançar as telas. Williams é uma controversa e popular estrela no Reino Unido, um desgarrado de uma das mais bem sucedidas boybands do país, conhecido por um senso de humor ácido e um gosto pelas polêmicas clássicas do estilo de vida de um popstar. Apesar de um lugar fixo no imaginário britânico e de não ser necessariamente anônimo em outros países, o cantor nunca logrou o êxito de seus conterrâneos em transportar sua fama para os EUA e, consequentemente, para o mundo. Essa específica condição nunca permitiu que seu semblante, diferente de Dylan, Mercury, Presley e tantos outros, se convertesse em signo.


Por esse motivo, talvez, o longa escolhe dispensar o elemento que geralmente centraliza a adesão de uma biopic: a performance de um ator que “se transforma” em alguém imensamente famoso. Os maneirismos de Robbie não são conhecidos o suficiente mundo afora para validar qualquer cacoete que seria necessário de um ator que se comprometesse a representá-lo, e o sucesso do filme arriscaria associar a figura do intérprete ao nome Williams tanto quanto o próprio cantor. Então, ao invés de um ator-metamorfo, opta-se por outra alternativa: um macaco. Isso mesmo, um macaco. Better Man é uma cinebiografia musical de um astro linha B do pop britânico em que todos os personagens interpretados por atores reais contracenam com um macaco de computação gráfica. 


Foto: Divulgação/ Diamond Films
Foto: Divulgação/ Diamond Films

O filme, claro, não assume a fama insuficiente de Williams como motivo para a adoção do símio. O diretor Michael Gracey diz que a ideia veio de uma das conversas com o astro, no qual ele se descreveria como um “macaco de circo” no início de sua carreira. Mas o cantor é representado como macaquinho antes mesmo de ser cantor. É o macaquinho que joga bola e recebe carinho da avó, o macaco teen que flerta com as tietes e se encanta com a fama e o homem macaco (com a voz original do cantor) que lida com o abuso de substâncias e com a ambição artística. Passado o estranhamento inicial e o absurdismo hilário de ver o animal coexistir com vários humanos, a bizarra decisão criativa se comprova mais bem explorada do que a encomenda dava a entender. 


Formalmente, a imagem computadorizada do macaco abre brechas que Gracey sabe aproveitar. Os conflitos internos do Robbie-Macaco são representados através de momentos de quebra parcial ou total com a diegese, envolvendo o personagem em fantasias estilizadas que enchem os olhos. A performance de “Rock DJ” que transforma toda Londres em dançarinos de apoio é entusiasmante, ao passo que a fuga automotiva em uma estrada flamejante que desemboca em um mundo submerso e assombrado confere um senso de épico visual ousado para o gênero. No clímax do filme, Williams transforma o show que seria então o ápice de sua carreira em uma guerra contra versões anteriores de si mesmo, conforme o palco de um festival se desconstrói em um campo de batalha snyder-iano. 


É notável que a capacidade técnica, no entanto, nem sempre vem acompanhada de um grande rigor estético. A exemplo, a cena na qual o protagonista conhece sua eventual esposa num barco impossivelmente dourado parece mais um comercial de perfume (daqueles com Charlize Theron) do que uma set piece pertencente ao filme. Além disso, o hiperestímulo de algumas sequências por vezes se torna desnorteante, conquistando o espectador com frames que operam mais quantitativa do que qualitativamente. 


Foto: Divulgação/ Diamond Films
Foto: Divulgação/ Diamond Films

Mas, além da exploração visual do macaco animado ao centro da biografia musical, há um acerto temático em Better Man. Independente de análise ou justificativa, a figura do animal sempre parece uma escolha gratuita levada às últimas consequências estéticas. Nenhum tema real surge no texto fílmico a partir dessa decisão, e seus desdobramentos parecem querer justificar o espetáculo pelo espetáculo em si. E, de maneira até um pouco confusa, talvez essa linha de pensamento seja mais adequada para que o longa britânico cumpra seu propósito: reapresentar Robbie Williams, que, muito além de artista, sonhou sempre em ser celebridade. 


Diferente da proeza inata de Elton John ou do gênio transcendental de Mercury, a história de Williams retrata o motor de sua carreira como um desejo suburbano elevado à décima por uma ousadia indomável e uma relação familiar fraturada. O destaque que o cantor teve em sua boyband não se deu por um carisma incomparável ou uma voz descomunal (a qual ele não possui), mas por um gosto pela decadência da fama. O artista sempre foi compositor, mas a cena que o mostra exibindo suas letras pela primeira vez não as acolhe como obras-primas imediatas, mas como algo a partir do qual é possível construir e aprimorar. Robbie desenvolve uma visão artística a partir de seu desejo pela fama, e não o contrário. Antes da arte, preza pelo espetáculo, e busca uma audiência que aceite o melhor que ele tem a oferecer como showman, e não como gênio inovador. É sintomático que o número final de seu filme seja um cover de “My Way” de Frank Sinatra ao invés de um número original

Foto: Divulgação/ Diamond Films
Foto: Divulgação/ Diamond Films

Faz algum sentido que uma carreira que se constrói com uma aparente falta de lastro hiper estimulada seja narrada com uma decisão criativa que parece, a priori, aleatória, mas que se justifica por apresentar possibilidades que outras formas de realização talvez não tivessem a coragem ou a sem-vergonhice (que às vezes são a mesma coisa) de perseguir. Ao fim, o filme reflete, sob o semblante do animal, a essência de Robbie Williams: vencer, sem inibições, apostando no espetáculo acima de tudo. 


Better Man – A História de Robbie Williams chamou alguma atenção pela escolha inusitada e não procura aprofundar o estranhamento para tornar o trabalho mais profundo ou inovador. Pelo contrário, se concretiza na superfície, buscando ali emocionar com o espectador e manipular, com algum êxito, as alternativas formais disponíveis. É espetáculo pelo espetáculo, sem ambições maiores de significância ou adulação, e, portanto, facilmente esgotável. Mas há coesão na honestidade de um showman ambicioso, que se prostra em frente ao público abraçando o ridículo de suas ambições, e admite que o macaquinho do circo é quem conquista os holofotes.


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