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"Aqui", de Robert Zemeckis, e a memória de um lugar

Foto do escritor: Arthur de Barros CamposArthur de Barros Campos
Tom Hanks e Robin Wright em 'Aqui' (Foto: Divulgação/ Imagem Filmes)
Tom Hanks e Robin Wright em 'Aqui' (Foto: Divulgação/ Imagem Filmes)

Adaptação de uma graphic novel homônima, Aqui, novo filme de Robert Zemeckis, traz uma proposta que vai na contramão de boa parte do que se tem pensado no cinema americano contemporâneo. Em um mundo onde a tendência é uma busca cada vez maior por histórias megalomaníacas, com ritmo mais acelerado e efeitos visuais exagerados que enfeitam as telas para compor essa ideia de grandes espetáculos, Zemeckis aperta o freio e volta o olhar para o cotidiano.


Toda a ideia do longa é de contar uma grande história que percorre não apenas anos, décadas ou mesmo séculos, mas eras, com uma única câmera posicionada em um local específico no espaço geográfico, no que é hoje o território de algum bairro residencial dos Estados Unidos. 

O filme começa nos dias atuais; vemos uma sala ampla com uma grande janela central que ilumina todo o ambiente com luz natural. A câmera está posicionada no alto da parede oposta a essa janela, levemente inclinada à direita, de forma a capturar toda aquela sala. Um idoso parece ter acabado de adquirir aquela residência – chama-se Richard e está a olhar todo aquele ambiente que, ao passo de uma fusão na imagem, se transforma completamente, e retornamos à era pré-histórica, observamos todo o processo desde o surgimento dos dinossauros, percorrendo desde a Era Glacial até a chegada dos primeiros humanos naquela região.


Localizando a câmera em um ponto fixo, Zemeckis não apenas limita o espaço cênico do filme, mas cria a partir disso uma moldura para encenar sua história. É possível traçar paralelos entre esse filme e a tradição dos primeiros filmes silenciosos, que localiza a ação em um espaço só e a orienta sempre em direção à câmera, em planos quase bidimensionais que enxergam, apenas nos limites de um quadro imóvel, todas as possibilidades do filme. Aqui, porém, se aproxima mais da pintura do que realmente do cinema silencioso. O cineasta está muito mais interessado nas várias composições que o quadro fixo pode desenvolver, como se pintasse uma obra que se move, olhando aquele lugar através de toda a sua história por uma única perspectiva e compondo uma variedade de diferentes pinturas a partir de uma mesma moldura.

Foto: Divulgação/ Imagem Filmes
Foto: Divulgação/ Imagem Filmes

Para isso, o filme busca criar uma espécie de pintura metamórfica que, conforme a necessidade, vai se transformando e abrindo pequenos outros quadros na imagem para se transportar através do tempo naquele local. O longa faz isso, principalmente, criando novas molduras a partir das cenas e transportando a câmera através de diferentes momentos, utilizando de diversos elementos dentro da própria imagem para fazer isso, seja abrindo essa moldura em uma cadeira que está localizada no mesmo lugar em diferentes épocas daquele mesmo espaço, ou até pelo movimento dos próprios personagens em cena, que acompanham o movimento deles mesmos em momentos do tempo distintos, ou dão lugar a novos rostos que completam o movimento da personagem anterior.


Apesar dessa proposta de filme que transita entre ambientes e períodos distintos, existe uma história específica que tem papel central na obra. A história em questão é a de Richard e Margaret, interpretados pela dupla Tom Hanks e Robin Wright, já conhecida por interpretar o casal de Forrest Gump - O Contador de Histórias, outra obra de Robert Zemeckis. Esse segmento começa a partir da compra daquela residência pelos pais de Richard no pó Segunda Guerra Mundial e percorre toda a vida de Richard, do seu nascimento e infância até o momento em que ele, na adolescência, conhece Margaret, e suas vidas se encontram naquela casa, naquela sala.

Durante toda a metragem do filme vemos essa evolução e, através desse casal central, é apresentado um resumo sócio-político americano através das décadas que seguem dos anos 1940 até os anos 1990. É interessante notar como o longa não se prende a um ideal do sonho americano: vemos ali os problemas que o casal enfrenta por ter tido filhos na juventude, nunca conseguir sair da casa dos pais e até a dificuldade de ter que trabalhar por meses para conseguir pagar por um sofá. Richard e Margaret guiam o filme para um lado mais classicista, que encontra no melodrama o caminho para desenvolver sua narrativa dramática.

Foto: Divulgação/ Imagem Filmes
Foto: Divulgação/ Imagem Filmes

Para além dos artifícios de montagem do filme, Zemeckis entende o digital e o CGI como os únicos possibilitadores para construir esse projeto. É possível ver isso na maneira que ele decide retratar os personagens centrais da história: Tom Hanks e Robin Wright já são atores que estão na casa dos 60 e 50 anos, respectivamente, portanto longe do ideal para interpretar personagens adolescentes e jovens adultos; porém, como solução, o realizador busca no CGI a solução para rejuvenescer esses atores, não como um uso técnico para criar essa surpresa no público, que vê novamente aqueles atores com rosto jovial de forma hiper realista, pois é notável a artificialidade na feição deles. É justamente essa artificialidade que o autor quer alcançar – ele entende esse projeto de narrativa e visual fragmentados como somente possível através desse visual farsesco e que, de certa forma, remete à animação, campo o qual o diretor já está acostumado, vide seus filmes dos anos 2000, que são centrados na animação realista.


Essa aparência irreal, falsa, se faz para o efeito de um filme sobre a memória. Memória de um lugar, memórias que criam vida para aquele ambiente, que já foi palco de mortes, de nascimentos, de alegrias, momentos de tristeza, arrependimento e medo. E, como qualquer memória, ela é idealizada, é fragmentada e, também, foge da realidade, pois é de seu cerne a interpretação e os laços afetivos daquele que lembra.


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