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"A Verdadeira Dor": Um percurso estável

Foto do escritor: Wandryu FiguerêdoWandryu Figuerêdo
Kieran Culkin e Jesse Eisenberg (Foto: Divulgação / Searchlight Pictures)
Kieran Culkin e Jesse Eisenberg (Foto: Divulgação / Searchlight Pictures)

O cinema nasceu como um entretenimento quase mágico, explorando narrativas que testavam os limites da encenação e da montagem. Mesmo ao lidar com a tragédia, ele sempre abraçou seus eventos históricos com certa romantização, com heróis e vilões, sem necessariamente se prender à veracidade dos fatos. Ainda assim, alguns eventos foram por muito tempo considerados "delicados" demais para serem adaptados, como o Holocausto. Embora o cinema não carregue a obrigação de ser fiel à realidade, há um peso ético-moral para um dos episódios mais traumáticos da contemporaneidade.


Dentro desse contexto, em 2024, Jesse Eisenberg dirige A Verdadeira Dor (A Real Pain, no original), que acompanha dois primos em uma viagem à Polônia para homenagear a avó falecida. O reencontro com suas memórias passa pelos espaços marcados pela violência nazista contra os judeus, transformando o que parecia um momento de reconciliação familiar em uma ferida entreaberta, jamais cicatrizada.


Eisenberg demonstra um interesse genuíno pela história que está contando. O filme se constrói a partir do contraste entre essas duas figuras masculinas que, após anos afastadas, compartilham a possibilidade de revisitar as lembranças deixadas pela avó. Afinal, reimaginar essa arquitetura trágica, seja uma das únicas formas de compreender as suas origens. Porém, como percorrer essa geografia sem apenas repetir as imagens já cristalizadas pelo cinema?


A linguagem de Eisenberg, marcada por um formalismo típico do cinema independente americano, insere A Real Pain no que se convencionou chamar de "filme de Sundance". Esse alinhamento a um formato já consolidado cria uma barreira para a credibilidade das imagens, que carregam uma estética comercial consciente de seu próprio mercado.

Foto: Divulgação / Searchlight Pictures
Foto: Divulgação / Searchlight Pictures

Diferentemente de Aftersun (2022, Charlotte Wells), outro filme desse circuito independente, A Real Pain carece de uma organicidade que torne sua narrativa genuína. No longa de Wells, a condução morfológica de um homem em crise, dividido entre sua dor interna e os momentos que compartilha com a filha, constrói um peso emocional que se infiltra no filme de maneira sutil. Há ali uma contenção necessária, a tragédia que o protagonista carrega nunca se sobrepõe ao tempo compartilhado, tornando cada gesto carregado de significado, essencialmente na semântica interpretativa das imagens.


Aparentemente, a sensibilidade do filme de Eisenberg ainda carece de amadurecimento. Há um esforço evidente em conduzir a dinâmica entre os personagens, mas, quando eles se distanciam, a câmera insiste em buscar seus rostos nos momentos de maior interação, guiando a resposta emocional do espectador de maneira quase mecânica. Quando a montagem se afasta desse padrão mais interativo, surge uma preocupação dramática que tenta amplificar o impacto do filme, mas acaba por reafirmar um percurso previsível, ao menos em sua construção formal.


Essa opção por uma câmera mais próxima dos atores favorece suas atuações, tanto que os dois protagonistas apareceram entre os cogitados para indicações em premiações importantes. No entanto, a repetição constante desse recurso, combinada a uma estrutura que se assemelha a "manuais de roteiro", prejudica o impacto emocional do filme. A sensação é de que a narrativa força uma evolução emocional de forma mecânica, em vez de permitir que as memórias se manifestem organicamente.

Foto: Divulgação / Searchlight pictures
Foto: Divulgação / Searchlight pictures

De maneira excessivamente didática, os personagens entram em conflito, retornam da viagem e lidam com os eventos de forma oposta: enquanto David (Jesse Eisenberg) reencontra sua família, Benji permanece sentado no aeroporto, olhar fixo e expressão cansada. Esse desfecho, montado em paralelo, reforça de forma explícita, talvez até redundante, sua ideia central.

A Verdadeira Dor tem momentos belos, como a escolha de um corte seco no instante em que um personagem abre uma porta, permitindo ao espectador imaginar os motivos para essa fuga. No entanto, sua insistência em explicitar emoções, quase como um manual de instruções, deixa a obra em um percurso seguro e pouco impulsionador.

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