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A solidão viva em "Encontros e Desencontros"

Foto do escritor: Gustavo RafaelGustavo Rafael

Aqueles que não são inclinados à traduções que me perdoem, mas para o caso em questão é fundamental notar a forma como tanto Lost in Translation quanto Encontros e Desencontros, em inglês original e português brasileiro respectivamente, servem ao sentido do que está exposto nesta obra. Protagonizado por Bill Murray e Scarlett Johansson, o longa que rendeu a Sofia Coppola sua primeira estatueta do Oscar, centraliza dois personagens experienciando solidão e crise existencial nas suas formas mais líquidas, em um Japão notavelmente visionado por olhos norte-americanos. Em sua - condução - a diretora de modo algum vai além do sentido literal da palavra - Coppola cumprimenta a solidão de forma profissional e se coloca em um local de observação plena, garantindo ao sentimento liberdade para atuar pessoalmente através dos corpos cinzas dos personagens, imprimidos em uma tela com a sutil presença de granulados que estabelecem a moldura daquelas vidas de forma atmosfericamente similar ao poluído céu de Tokyo.


Nesse sentido, a performance dos protagonistas pode ser definida como uma expressão chave do fazer artístico da atuação, haja vista o nível de entrega nos momentos em que o espectador partilha dos diálogos silenciosos entre Bob Harris (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson), seja a partir de suas trocas de olhares, sorrisos e toques. Em certo ponto, dentro da extensão de pouco mais de uma hora e meia da película, após o costume com a personalidade insone dos dois, além do estabelecimento de uma estética pautada na magia futurista das ruas percorridas por eles, com todas as suas luzes e pessoas, os corpos de ambos se tornam comuns um ao outro, além de seus passares pelo local, que se acomodam como se ali pertencessem, o que passa a conferir ao espectador um certo conforto, uma espécie de esperança para o ritmo corrido e vazio com que aquelas almas se prostram.



Agora, retomando brevemente minha nota inicial acerca dos títulos do filme em diferentes idiomas, me justifico através da parte já próxima do final, em que Charlotte e Bob, assim como os outros hóspedes do hotel em que estão hospedados devem descer para a entrada por conta de um alarme de emergência. Nessa hora escuta-se apenas o ruído das vozes conturbadas ao redor, até que Bob percebe Charlotte e vai até ela, então, o inglês toma os nossos ouvidos, enquanto as mesmas falas dos japoneses ao redor se mantém apenas como um barulho incompreensível, ou seja, estando em desencontro, os personagens são cercados pela sua falta de domínio daquela língua, logo, ficam perdidos, e só lhes resta o silencioso confinamento nos problemas de suas vidas. Em contrapartida, estando juntos o encontro se expande, e um mundo oxigenado pela possibilidade de entendimento entre eles permite a conexão entre aquelas duas solidões. Ainda, acerca do silêncio, é válido perceber que na vivência de Charlotte a falta de diálogo dá lugar a uma moção quase robótica, fazendo com que ela apenas vá adiante, o que ao mesmo tempo expõe sua humanidade.


Humanidade singular, conferida exatamente pela atmosfera perdida com que a mesma transita ao longo do Japão. Diferente da vivência de Bob, haja vista que ele ainda possui direcionamentos mais claros que o da moça, considerando os funcionários que o assessoram ao longo da viagem, mas que no entanto, quase o consagram como um “pau mandado”. É claro que essa diferença, nos posiciona de volta à percepção de que aquelas vidas não estão juntas, apenas houveram de se encontrarem. No caso de Charlotte, suas cenas observativas expressam uma beleza cinematográfica tremenda, quando por exemplo em uma de suas andanças ela avista uma noiva em seus trajes tradicionais - o que estaria se passando pela cabeça dela? a vontade de ser conduzida tão cuidadosamente quanto aquela outra mulher?! - só pode-se especular, mas sempre será um segredo guardado de nós.



Já quando é Bob quem está posicionado solitário na tela, especificamente na cena em que o temos jogando golfe, não tem-se ênfase no seu olhar, há somente sua presença trajada de preto, se assemelhando ao imponente Monte Fuji que o observa como um titã. O personagem atira a bola e ela some no horizonte, e o mesmo vai em sua busca - é como se sua vida houvesse fugido de suas mãos, e só lhe resta perceber o tempo correndo junto de sua fraqueza para realizar qualquer imposição ou intervir de algum modo, mas mesmo assim, ainda há a tentativa. Assim, gradativamente é ensinado a quem assiste que a passagem da presença de um na vida do outro naquele cenário, poderia apenas implicar em um efeito canônico, para que então ambos pudessem tornar aos seus caminhos, sozinhos, outra vez.


Sendo assim, Encontros e Desencontros - Lost in Translation, presenteia o público com um visionamento interessante sobre a vida, temperado pelo poder desejoso de parar o tempo, afinal, aqueles dias em Tokyo se esticam como uma existência à parte do mundo real, um breve intervalo para Bob e Charlotte, onde são presenteados com a amizade e compreensão um do outro. Quando temos o beijo entre eles, em mais um momento de despedida, não há qualquer enfoque nos seus lábios pressionados um ao outro, primeiro vê-se o contato por detrás do ombro de Bob, e então pelo de Charlotte, dessa forma não há a expressão de uma atrasada e intrometida paixão física entre os dois, mas sim de um amor nascido naturalmente da solidão - a dele saúda a dela, e através das palavras que ele cochicha em seu ouvido, aquelas histórias partem para longe uma da outra, em meio ao mistério do que fora dito, mas com a certeza de que jamais irá cair no esquecimento.

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