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A frontalidade da comédia e a intimidade corporal em "Tia Virgínia"

Foto do escritor: Marcelo FormigaMarcelo Formiga

Algo que destaca Tia Virgínia logo em um primeiro olhar é a sua imagem brilhosa e cheia de textura; o filme cria muito bem uma profundidade visual, através do uso de contraste de cores e iluminação, que sempre ressaltam a presença de Virgínia. Mas eu destacaria, principalmente, como essa textura é enfatizada nos corpos. A câmera, sempre estática, varia em sua aproximação — distante, evidencia silhuetas imperfeitas; mais perto, as rugas na pele que salientam a velhice. O longa faz o espectador sentir as inseguranças das personagens a partir desse contato direto com seus corpos, assim adentrando em suas intimidades. Existe, no contexto da obra, um julgamento muito latente relativo ao corpóreo e ao envelhecimento, fato explicitado nos diálogos, aparentemente banais, que comentam de um peito caído a um vestido que não cabe mais em alguém.


Toda essa questão também está conectada à ideia de uma comédia muito presente. O diretor Fábio Meira desenvolve, a partir desse gênero frontal e popular, uma complexidade única, precisamente por conta de um teor tipicamente brasileiro e facilmente identificável da comédia. Isso contribui com um espelhamento da vida e relações familiares, tornando o espectador capaz de identificar-se com os acontecimentos e pessoas do filme. Gosto muito de como é um humor que está intrinsecamente ligado às máscaras sociais das personagens, essa falsa imagem de perfeição que carregam consigo, e que é desmistificada justamente por conta da comicidade.



As relações frágeis entre as irmãs são enfatizadas por um teor absurdista nos diálogos, mas gosto principalmente de como Vera Holtz lida com isso, trazendo uma abordagem irônica instável, que varia do cômico ao desesperador. Vale ressaltar que, além de incrível no aspecto jocoso, a atriz também se mostra precisa ao trazer os dramas de sua personagem de maneira mais minimalista, através de simples gestos, que vão de um liga e desliga das luzes de um presépio a um olhar fixo para uma foto do passado. Ações contidas, mas que revelam uma acuidade dramática notável da personagem. Já as figuras masculinas são marcadas, basicamente, por um desinteresse total, que realça os constantes sentimentos de sobrecarga e responsabilidade renegados às mulheres nos cuidados da casa e da família.


Todos os brasileiros conhecem uma Tia Virgínia, uma mulher tomada por indiretas, julgamentos, cobranças, cheia de arrependimentos e se escondendo de si por de trás de uma máscara do bom convívio. Trata-se de uma personagem familiar, que reflete simplicidade; porém, por trás disso, existe uma pessoa extremamente complexa e com várias camadas a serem decifradas. Assim, Tia Virgínia mostra como é possível, através de um gênero frontal como a comédia, criar as mais diversas identificações com o público, a partir de um de um profundo estudo de personagem. Tal fato associa-se muito com uma relação igualmente frontal da imagem, ressaltando suas particularidades e nos trazendo para o íntimo de suas vivências, no espaço privado, de modo a sentirmos seus corpos, tornando tudo ainda mais íntimo. Sumamente, consegue divertir e gerar identificação dramática com suas personagens, localizando o espectador no desespero interno de sua protagonista.

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