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A consciência formal em "O Assassino"

Foto do escritor: Marcelo FormigaMarcelo Formiga


O Assassino, de O Assassino (o qual é creditado apenas como "O Assassino"), assim como Vincent, de Colateral (2004), é um assassino de aluguel metódico, e ambos compartilham de pensamentos de mundo semelhantes, por mais que suas execuções tenham particularidades próprias. Mesmo que siga um planejamento, o personagem de Tom Cruise parece ser levado por uma velocidade aleatória do acaso, enquanto a figura de Michael Fassbender é mais cautelosa, o que é evidenciado até mesmo pelo fato de não ter o seu nome revelado. É interessante pensar que, assim como seus personagens, David Fincher e Michael Mann (os respectivos realizadores) foram dois cineastas que se adaptaram muito bem à ideia do cinema digital, mas partindo de lugares diferentes: Fincher com uma abordagem mais clássica, e Mann com uma direção mais maneirista. Os protagonistas refletem seus diretores. Entretanto, é interessante como, neste último longa, Fincher brinca com a ideia de sua própria abordagem formal. Com uma estética concreta e cenas bem decupadas, acompanha os passos de um assassino frio, metódico, calculista e paciente; mas, quando as coisas saem do controle, também o faz a câmera, como é evidenciado principalmente em uma grande sequência de luta corpo a corpo, extremamente bagunçada.


Outra curiosidade que o relaciona ao Michael Mann: Fincher sempre coloca o indivíduo trabalhador (aqui, o assassino) contra a instituição, parecido com o que Mann faz em Profissão: Ladrão (e em boa parte de sua filmografia, para falar a verdade). Também se assemelham na maneira como tentam encontrar uma moral no que fazem, mesmo que, em O Assassino, isso seja algo consideravelmente mais violento. Porém, a maior diferença fica no fato de que o ladrão de Mann deseja virar “independente” dentro do seu negócio, enquanto o assassino está mais confortável em sua posição, até certo ponto, quando precisa se livrar da instituição (dos seus patrões). Também pode traçar-se um paralelo bem interessante entre o final dos dois filmes. Profissão: Ladrão talvez seja a obra de Mann com a abordagem formal mais controlada de sua filmografia, aproximando-o do cinema de Fincher.


É notável como Fincher usa a música em O Assassino: ela entra como um som diegético que tem seu volume modificado dependendo de onde a câmera está posicionada. Por exemplo, quando está capturando o rosto ou corpo do personagem de Michael Fassbender escutando em um fone de ouvido, apenas ouvimos um pequeno ruído de música, como se estivéssemos exatamente na posição de quem filma por trás da câmera; só escutamos a trilha em seu volume máximo quando entramos no POV do protagonista. Então, uma sequência de tensão onde uma canção começa a tocar de modo frenético e o espectador passa a entrar em êxtase é cortada abruptamente, quando tem seu som diminuído – é como se o filme estivesse pedindo para que não nos distraiamos com aquela simples sucessão de ações: “Siga o plano. Não tenha empatia”, assim como a morte é banal para aquele personagem. Tudo se torna muito frio e distante, mesmo que, na maior parte do tempo, o espectador acompanhe o assassino a partir de uma abordagem íntima, seguindo seu passo a passo no trabalho a partir desse formalismo bem direto. Ainda que juntos a ele durante o dia a dia, estamos distantes de sua humanidade, assim como ele também tem que se distanciar de si e perder qualquer tipo de empatia quando vai trabalhar – não é nem mesmo creditado com um nome, mas aparece com vários durante o longa. O diretor estabelece eficientemente uma condição que deixa o espectador com uma falsa sensação de proximidade com esse protagonista.



Também gosto bastante de como o filme referencia o modelo de Janela Indiscreta (1954) e Um Corpo que Cai (1958), dirigidos por Alfred Hitchcock, em vários momentos; a sequência inicial é marcada por uma alusão clara a Janela Indiscreta, que aproveita bastante da condição voyeur do personagem; todavia, enquanto os personagens de Hitchcock eram realmente agentes voyeurs, obcecados e curiosos, o assassino de Fincher é frio e calculista (ainda mais precavido por conta das tecnologias do presente, sendo muito bem pontuadas durante o longa e enfatizando sua meticulosidade). “Siga o plano. Antecipe, não improvise”... ou será que não? A narração em off, feita pelo próprio Fassbender, nos dá uma perspectiva que não segue à risca o que vemos em tela. Em tese, estamos diante de um homem totalmente prudente e sem sentimentos, que tem tudo sob controle; na prática, ele acaba apresentando inseguranças, curiosidade e vulnerabilidade. Não à toa, busca uma vingança que não resolveria muitas coisas, um pequeno erro podendo acabar com todo o plano – assim, estamos sendo constantemente apresentados aos questionamentos e desconstrução desse personagem, a partir dessa dicotomia entre imagem e narração.


O Assassino apresenta as contradições de seu protagonista a partir de diversas antíteses formais, o que torna acompanhá-lo uma tarefa mais interessante e imprevisível, mais ainda por ele ter um background pouco desenvolvido ao longo do filme. Mas, mesmo que paradoxal, trata-se de uma obra que executa muito bem sua ideia e cria sensações específicas a partir de uma forma que, durante quase todo o longa, se mostra precisa e consciente de sua proposta – afinal, “A Execução é Tudo”.

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