Nenhum gênero cinematográfico existe e se estabelece sem suas próprias convenções. O melodrama, por exemplo, tem no exagero sentimental e estético o seu núcleo; o cinema de ação, por sua vez, baseia-se em uma motivação violenta para justificar as sequências de lutas e cenas de sangue, que orientam toda a narrativa, até o desfecho. No entanto, ao aplicar essa mesma perspectiva aos produtos cinematográficos de diferentes países, o discurso se torna mais complexo e frequentemente recai em pré-julgamentos e preconceitos. Por exemplo: é comum acreditar que o cinema brasileiro se limita a dramas sociais, enquanto o cinema americano seria capaz de produzir qualquer tipo de filme. De maneira similar, o cinema indiano seria associado apenas a melodramas musicais exagerados, com truques de edição e suspensão do realismo.
Essas afirmações, além de genéricas e pouco fundamentadas, refletem uma retórica muitas vezes centrada na supervalorização do cinema hollywoodiano, enquanto interpreta as produções do chamado Sul Global como inferiores. Compreender o cinema global como um mosaico de possibilidades estéticas e narrativas amplia nossa perspectiva sobre o próprio conceito de cinema, evitando reduzi-lo a estereótipos ou visões limitadas. Para ilustrar essa perspectiva, analisaremos o filme Kill – O Massacre no Trem, de Nikhil Nagesh Bhat, como exemplo de como gênero e país de produção interagem. O filme segue Amrit (Lakshya), que descobre que seu amor, Tulika (Tanya Maniktala), está noiva contra sua vontade. Determinado a impedir o casamento arranjado, ele embarca em um trem com destino a Nova Delhi. No entanto, a situação se agrava quando uma gangue de ladrões, liderada pelo impiedoso Fani (Raghav Juyal), ameaça os passageiros com facas, transformando o que deveria ser uma viagem comum em um passeio sangrento.
A partir dessa descrição, surgem dois panoramas principais sobre o que se pode esperar do filme: o romance entre Amrit e Tulika, que é crucial para a construção melodramática da trama, e a ação violenta, que transforma o ambiente do trem em um cenário sangrento. O longa atende às expectativas de forma notável no segundo aspecto. Desde o primeiro momento em que protagonista e antagonista são introduzidos, os conflitos se intensificam à medida que Nikhil Nagesh Bhat amplifica a dinâmica de cada sequência de ação. Seja no corredor do vagão, no banheiro do trem ou no espaço entre esses locais, o cineasta demonstra habilidade em posicionar a câmera de maneira precisa, criando uma experiência que faz o espectador se mover na cadeira.
O acúmulo de sangue e corpos ao longo do filme é diretamente proporcional às ambições na coreografia das lutas, que frequentemente encontram soluções criativas para evitar a repetitividade – um problema comum em alguns filmes do gênero, que acabam por apenas reproduzir disputas de maneira previsível. Cada morte no massacre não é tratada como um mero acidente, mas sim carrega o peso emocional de uma perda significativa para os personagens envolvidos. Muitos deles têm vínculos parentais ou afetivos profundos uns com os outros, o que garante que as vítimas não sejam vistas como simples números que provocam excitação no espectador. Este tratamento mais humanizado é especialmente notável quando consideramos o aspecto melodramático do filme.
O relacionamento amoroso entre Amrit e Tulika, apesar de ser construído em torno de uma quase impossibilidade, não consegue criar uma carga emocional suficiente para tornar a separação entre eles algo realmente orgânico. Assim, os eventos que se desenrolam ganham mais impacto pela forma como são visualmente apresentados do que pela profundidade da relação entre os personagens. Por outro lado, aqueles que são eliminados ao longo da trama têm uma despedida que é tratada com uma carga emocional considerável. O luto e o sofrimento em torno dessas mortes conferem uma sensibilidade adicional à narrativa. Ainda assim, o melodrama emerge como o elo mais fraco do longa-metragem de Nikhil Nagesh Bhat – não por seu exagero tratado de forma pejorativa por parte do público, mas pela falta de capacidade de provocar emoções através do genuíno, contrastando com o impacto mais eficaz que a ação proporciona. O cinema, como um espaço de provocação para a audiência, mostra em Kill que sua verdadeira força reside na capacidade de engajar o espectador de forma autêntica, independentemente das convenções de gênero e origem.
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